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| Foto: Lula Marques/AGPT

“Farinha pouca, meu pirão primeiro”, diz o ditado popular que bem poderia aparecer como eígrafe da proposta orçamentária que o Supremo Tribunal Federal (STF) enviará ao Congresso Nacional. Os ministros resolveram, por sete votos a quatro, pedir para si mesmos um reajuste de 16,38%, elevando seus salários – e, consequentemente, o teto constitucional – dos atuais R$ 33,7 mil para R$ 39,2 mil. A presidente da corte, ministra Cármen Lúcia, era contrária ao pedido, e foi acompanhada por Celso de Mello, Edson Fachin e Rosa Weber. Do outro lado, Ricardo Lewandowski, Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello endossaram a farra com o dinheiro público.

O grande problema de um reajuste dessa monta nos salários dos ministros do STF é o efeito cascata que ele gera, pois diversos outros salários estão legalmente definidos como porcentagem dos vencimentos dos magistrados da corte. A própria Cármen Lúcia disse que sua posição contra o reajuste derivava, entre outros motivos, da ampliação de gastos que ele provocaria: “a questão principal de eu não ter incluído se deve à circunstância de o aumento do Supremo fazer com que haja toda uma cadeia de aumentos em todos os órgãos do Poder Judiciário para os magistrados”, disse, durante seu voto na quarta-feira.

Diversos outros salários estão legalmente definidos como porcentagem dos vencimentos dos magistrados da corte

As consultorias de Orçamento da Câmara dos Deputados e do Senado já calcularam o impacto: R$ 4 bilhões em 2019, divididos entre o governo federal e os estaduais. Pode parecer pouco para um país que conta seu déficit primário na casa da centena de bilhões de reais, mas quem disse que há sensatez na ideia de que, já que os cofres públicos estão em situação de penúria, arrombá-los um pouquinho mais não fará tanta diferença?

O ministro Dias Toffoli, próximo presidente da corte, tentou amenizar a situação dizendo que “não se está tirando de saúde, educação, se está tirando das nossas despesas correntes, dos nossos custeios”. O raciocínio é o de que a corte – e, por extensão, o Judiciário como um todo – tem dinheiro para bancar o reajuste. Mas essa é apenas metade da história. O que Toffoli não conta é que, em muitos casos, os tribunais têm garantido um porcentual da receita do governo, independentemente dos gastos previstos para o ano. É assim que são criadas as “ilhas de prosperidade” de que falava o ex-secretário de Fazenda do Paraná Mauro Ricardo Costa, nas quais sobra dinheiro para reajustes, auxílios e demais penduricalhos. Além disso, Toffoli também não diz que o aumento terá impacto sobre o salário de outros funcionários públicos, cujos vencimentos nominais estão acima do teto constitucional, graças a benefícios diversos, mas que recebem hoje o teto de R$ 33,7 mil. Com o aumento, também eles ganharão mais, e o dinheiro sairá dos cofres públicos abastecidos pelos impostos cobrados dos brasileiros.

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Como lembrou o jornalista Fernando Jasper, por mais que os ministros aleguem que os 16,38% não chegam a compensar todas as perdas inflacionárias desde o último reajuste, fato é que a economia do país está menor que na ocasião do aumento mais recente. E é justamente isso que determina a capacidade do poder público de cumprir suas obrigações, incluindo a remuneração do funcionalismo. Que o aumento esteja sendo pleiteado no momento exato em que o governo anuncia cortes de gastos em bolsas de estudo, ciência e tecnologia só torna o pedido mais acintoso.

Cabe ao Senado dar seu aval ao pedido dos ministros do Supremo. Como os senadores já anunciaram que usarão o “esforço concentrado” dos próximos meses apenas para votar assuntos que são consensuais na casa legislativa, resta a curiosidade para saber como os parlamentares enxergarão a solicitação. Afinal, há entre os senadores quem queira assumir governos estaduais; se tiverem sucesso nas urnas, eles sofrerão as consequências do efeito cascata quando tiverem de lidar com os orçamentos estaduais. Mas há, também, os que estão encrencados em escândalos de corrupção e não querem se indispor com os magistrados que ainda haverão de julgá-los. Há os que têm consciência do impacto que o reajuste terá nas contas públicas, e os que ainda acreditam que o dinheiro do governo jorra magicamente de fontes inesgotáveis. O tema acabará engavetado por “criar divisão” entre os senadores, ou assistiremos ao surgimento do tal consenso?

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