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Editorial

Instituições de terceiro mundo

Plenário da Câmara dos Deputados. (Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados)

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No meio da uma reportagem publicada em 2016, o jornal New York Times fez uma afirmação sobre o Brasil que talvez retrate o principal obstáculo ao projeto de o país se tornar uma nação desenvolvida. Disse o jornal: “O Brasil quer ser país de primeiro mundo, mas insiste em manter instituições de terceiro mundo”. A palavra “instituições” pode representar um leque amplo de entes econômicos, jurídicos e sociais; logo, é necessário delinear o que isso significa. O substantivo “instituição” deriva do verbo “instituir” e significa algo que foi fundado e passa a ter existência real (caso de uma empresa ou um órgão público, como o Banco Central, por exemplo), ou leis e normas que têm existência compulsória ao obrigar pessoas físicas e jurídicas, individual ou coletivamente, a seu cumprimento e obediência, sob pena de punição.

De forma geral, pode-se citar o conjunto de leis, regulamentos e normas públicas aprovadas e com força de obrigação, destinados à satisfação de interesses coletivos. A lista pode começar pela formação do Estado, a Constituição, o Poder Legislativo, o Poder Executivo, o Poder Judiciário, os códigos Civil, Penal, Comercial, Tributário, Trabalhista, as leis e portarias comerciais, tributárias, ambientais, patrimoniais, comportamentais etc. Essas são instituições públicas, no mais das vezes de natureza estatal, complementadas por extenso leque de instituições religiosas, educacionais, assistenciais, empresariais e outras de natureza privada destinadas a atender necessidades da comunidade.

Instituições mal estruturadas e com regras ruins e prejudiciais ao crescimento econômico e ao desenvolvimento social travam o crescimento e impedem o país de evoluir na economia e superar seus graves problemas sociais

Entre as instituições mais importantes estão a moeda, os contratos, os poderes constituídos e tudo o que gira em torno deles e regula a vida nacional em seu todo. O economista Douglass North, ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 1993, tornou-se um dos maiores especialistas sobre as causas do desenvolvimento das nações; ele escreveu, falou e publicou livros dizendo que a essência do desenvolvimento está na qualidade das instituições, seguida das crenças do povo, sua mentalidade e sua cultura. A base de seu pensamento é que esse conjunto de atributos e características determina o comportamento e o modo de agir das pessoas e das autoridades, no campo privado e no campo coletivo, e isso determina a constelação de feitos e fatos da economia da vida individual e da vida coletiva – logo, determina o grau de desenvolvimento econômico e de bem-estar social.

Pois o Brasil parece ser uma prova de que as instituições, quando mal estruturadas e com regras ruins e prejudiciais ao crescimento econômico e ao desenvolvimento social, efetivamente travam o crescimento e impedem o país de evoluir na economia e superar seus graves problemas sociais, como a miséria e a pobreza. Não é preciso listar o conjunto de instituições de baixa qualidade, porquanto não há grande divergência quanto ao fato de que a federação brasileira – com 5.570 municípios, 26 estados, Distrito Federal e União – funciona mal: os papéis de cada ente são mal definidos e as distorções são muitas. Isso vale para os parlamentos municipais, estaduais e federal, como também para a estrutura do Poder Judiciário e o conjunto de leis e normas que regulam os atos da vida privada e da vida social.

Já foi noticiado na imprensa que o Brasil produziu mais de 4 milhões de leis, normas e regulamentos desde a aprovação da Constituição de 1988 – ela própria um documento precário, tanto que recebeu mais de 100 emendas em 33 anos. Isso bastaria para qualquer analista internacional ficar assombrado e concluir que o Brasil é um hospício legislativo, posto que é impossível sequer imaginar a existência de mais de 4 milhões de leis e normas públicas em pouco mais de três décadas. Esse aspecto é apenas um dos reflexos da baixa qualidade das instituições e tudo de ruim que disso resultou e já foi incorporado à cultura política e pública do país, sem que o próprio povo afetado por essa insanidade tenha se mobilizado para desmontá-la.

As distorções, a ineficiência e loucura ilógica do arsenal de leis, órgãos e regras passaram a ser o normal na vida das pessoas e das instituições econômicas e sociais. Um dos efeitos desse quadro é o contorcionismo refletido no tal “jeitinho brasileiro”, que, de uma cultura de adaptação – a saudável epiqueia aristotélica, a qualidade de contornar leis e regulamentos exagerados e injustos –, passou a ser sinônimo de ineficiência e coisas malfeitas (quando não de corrupção pura e simples). É o caso da cultura da gambiarra, das coisas feitas sem qualidade, das obras inacabadas e descumprimentos de acordos, os quais sobrevivem como normais e aceitáveis. Um exemplo é a absurda quantidade de obras inacabadas de responsabilidades dos municípios, dos estados e da União, conforme todo ano é publicado, sem que isso gere revoltas e queda de governantes.

Um exemplo que muitos dizem ser um ato isolado (coisa que não foi), é o ocorrido nos Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro, quando a Vila Olímpica sofreu duras críticas de delegações internacionais, que se recusaram a ocupar certos apartamentos por apresentarem problemas elétricos e de encanamento. Na época, diante da reclamação dura da delegação da Austrália, que se recusava a ficar na Vila Olímpica após constatar tais problemas, o prefeito Eduardo Paes fez uma piada infame ao dizer que, para reparar as falhas, iria colocar um canguru nos aposentos da delegação australiana, ao que recebeu merecida resposta. “Não queremos canguru, mas apenas encanadores”, disse um dos chefes da delegação. Curiosamente, a cerimônia de abertura dos Jogos de 2016 incluiu uma homenagem à gambiarra, que em sentido real simboliza a coisa malfeita, de baixa qualidade.

A sociedade brasileira precisa levantar suas mazelas, falar delas e evoluir para deixar de aceitar passivamente que o país apresente tantas distorções e instituições ruins – tidas no mundo adiantado como coisa de país atrasado de terceiro mundo –, mas principalmente porque é essa realidade que está na base da miséria, da pobreza e da dificuldade de, mesmo com os abundantes recursos naturais, crescer e colocar a nação no nível dos países desenvolvidos.

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