Em 3 de junho, um grupo formado por centenas de sindicalistas e professores em greve invadiu a Assembleia Legislativa do Estado do Paraná (Alep), derrubando o portão de acesso ao prédio e chegando até o plenário do Legislativo estadual paranaense. Naquele dia, os deputados votariam um projeto de lei que permitiria parcerias com a iniciativa privada para a gestão administrativa de escolas estaduais. A invasão forçou o adiamento dos trabalhos legislativos – o projeto acabaria aprovado após uma decisão judicial de reintegração de posse, em sessão híbrida, com parte dos deputados no plenário e outra parte votando remotamente. Apesar da depredação ocorrida, nenhum invasor foi preso.
A invasão de prédios e plenários legislativos como forma de protesto para impedir votações sobre temas controversos é expediente adotado já há muito tempo, em vários locais. No Paraná, a Alep já foi invadida e depredada em abril de 2015 – ocasião em que a polícia respondeu duramente à ação dos sindicalistas, deixando centenas de feridos – e em dezembro de 2019, por manifestantes contrários a mudanças na previdência dos servidores. Também em Curitiba, a Câmara Municipal foi invadida em junho de 2017 em protesto contra um pacote de ajuste fiscal – não contentes com isso, os mesmos sindicalistas tentaram, dias depois, invadir a Ópera de Arame, ponto turístico da capital paranaense para onde os vereadores haviam transferido a sessão; não conseguiram, mas feriram vários policiais.
No Rio de Janeiro, também em 2017, servidores tentaram invadir a Assembleia Legislativa do estado para impedir a votação de medidas de saneamento das contas públicas. Em Brasília, policiais quebraram vidros para invadir a Câmara dos Deputados em protesto contra a reforma da Previdência proposta pelo então presidente, Michel Temer, em abril de 2017. Até mesmo parlamentares já aderiram a este expediente. Naquele mesmo ano, deputados da oposição de esquerda tomaram a Mesa Diretora e impediram a continuação dos trabalhos legislativos, também em protesto contra a reforma da Previdência. Meses depois, seis senadoras fizeram o mesmo para tentar impedir a votação da reforma trabalhista. O Conselho de Ética do Senado arquivou a denúncia contra o grupo.
Impedir o funcionamento das instituições, como ocorre nas tentativas de interromper ou cancelar sessões legislativas, não é algo aceitável em uma democracia, mas a punição de tais atos precisa ser feita corretamente
Não se pode poupar palavras: tanto a invasão recente do Legislativo paranaense quanto todos os outros episódios que acabamos de descrever são atos que merecem a condenação da sociedade. Impedir o funcionamento das instituições, como ocorre nas tentativas de interromper ou cancelar sessões legislativas, não é algo aceitável em uma democracia, nem mesmo sob o mais nobre dos pretextos. A Gazeta do Povo sempre criticou tais invasões, afirmando que o recurso cada vez mais frequente à força para impor as próprias convicções é sintoma de um enorme déficit de cultura democrática. É preciso, portanto, repudiar e punir tais atos – fazê-lo da maneira certa, no entanto, tem sido o grande desafio, ao qual as autoridades não têm respondido à altura.
Após a invasão da Alep no início de junho deste ano, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) do Paraná pediu que a Polícia Civil investigue os invasores por “tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito”, o que corresponderia ao artigo 359-L do Código Penal, inserido em 2021, quando o Congresso substituiu a Lei de Segurança Nacional da época da ditadura militar. O crime ali descrito é o de “tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”.
O argumento de quem defende a investigação nestas bases se baseia na isonomia de critérios a aplicar em diferentes situações – no caso, a comparação é feita com a invasão e depredação das sedes dos três poderes, em Brasília, em 8 de janeiro de 2023. Em resumo, tratar-se-ia de aplicar o ditado “pau que bate em Chico também bate em Francisco”. Mas, em resposta, podemos argumentar com outra peça de sabedoria popular, aquela segundo a qual “dois errados não fazem um certo”.
Os grevistas paranaenses de fato empregaram violência, e restringiram o exercício dos poderes constitucionais. Mas o artigo 359-L do Código Penal afirma que estes são os meios pelos quais o eventual criminoso buscaria seu objetivo, o de abolir o Estado de Direito. E isso não ocorreu na Alep; os sindicalistas e grevistas queriam impedir uma votação, não derrubar o governo paranaense ou depor os deputados estaduais. Não há, portanto, como enquadrar os invasores no artigo 359-L – no máximo, eles poderão ser responsabilizados pelos danos causados ao patrimônio público, o que revela uma lacuna importante da legislação, que não criminaliza o ato antidemocrático de impedir o funcionamento das instituições democráticas em si.
O mesmo, aliás, pode e deve ser dito de muitos manifestantes do 8 de janeiro. Desde aquela data, temos reforçado que, entre as mais de mil pessoas presas, era preciso diferenciar os que realmente desejavam um golpe daqueles que protestavam por indignação contra o governo Lula ou contra a Justiça Eleitoral, mas sem intenção alguma de derrubar o governo – mais que isso, era preciso demonstrar as eventuais intenções golpistas de cada réu. Nada disso aconteceu: os invasores foram denunciados “no atacado” e estão sendo condenados da mesma forma, não só com base no artigo 359-L, mas também por outros crimes, incluindo o de golpe de Estado.
Erram grosseiramente a PGR e o STF ao condenar como golpista quem não o é, como erra a PGE paranaense ao pedir investigação dos invasores pelo crime de tentativa de abolição do Estado de Direito. O autêntico golpismo é um vírus grave demais para ser tratado com esse grau de banalização, confundido com outros atos que, mesmo antidemocráticos, mesmo dignos de repúdio e punição, não são da mesma natureza. Que não se repita no Paraná a repressão de Brasília: apurem-se as responsabilidades individualizadas e denunciem-se os envolvidos por crimes reais, não inventados nem exagerados. E que a lei seja aperfeiçoada para contemplar devidamente casos como o da Alep e tantos outros, para que não passe batida a gravidade dessas tentativas de violar o processo legislativo.
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