Ouça este conteúdo
Inaceitável e absurdo, sob qualquer ângulo pelo qual se possa olhar, o caos promovido neste domingo na Praça dos Três Poderes por militantes contrários ao presidente Lula. Eles romperam bloqueios policiais e invadiram o Palácio do Planalto e as sedes do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal, depredando plenários e outras instalações. O ato de domingo representa a substituição da razão pela ignorância, do protesto pacífico pelo uso ilegítimo da força.
Segundo os relatos da imprensa, os manifestantes que até então estavam acampados diante do quartel-general do Exército, em Brasília, deixaram o local e se dirigiram à Esplanada dos Ministérios, que já tinha reforço policial devido à possibilidade de protestos contra a eleição e a posse de Lula. Reforçado por outros manifestantes que lotaram ônibus para vir de outras regiões do país, o grupo passou por todas as barreiras de segurança e iniciou as invasões pelo Congresso, dirigindo-se depois às sedes dos demais poderes. Os maiores estragos, até onde se sabe, ocorreram no prédio do STF, onde o plenário foi depredado e inundado graças à ativação do sistema contra incêndio. No começo da noite de domingo, policiais já haviam conseguido expulsar os vândalos do Supremo e do Planalto.
Razões para indignação com Lula, o Congresso e o Supremo existem, e são muitas. Mas a violência, a invasão, a depredação e o vandalismo não são – jamais foram – a resposta para tais situações
Neste dia triste em que o Brasil ganhou seu equivalente da invasão trumpista do Capitólio, ocorrida em 6 de janeiro de 2021, a Gazeta do Povo reforça uma convicção que já manifestou em diferentes ocasiões: nem mesmo as reivindicações consideradas mais nobres ou justas podem servir de pretexto para violência, vandalismo, interrupção do funcionamento das instituições e violações da liberdade alheia. Afirmamos e reafirmamos esta verdade na greve dos caminhoneiros de 2018, nos bloqueios de estradas feitos em 2021, e também quando a esquerda invadiu escolas e universidades e quis impedir o funcionamento normal das instituições ao tentar forçar a entrada em edifícios governamentais e invadir plenários legislativos. Este é um princípio que vale para todos, não importa de que lado do espectro político-ideológico estejam, nem o quanto sua indignação seja justa ou não.
Sim, a normalização da candidatura de Lula e sua vitória são episódios lamentáveis de uma história política repleta de bizarrices. Sim, o Supremo Tribunal Federal vem esticando a corda há quase quatro anos, com seus inquéritos ilegais e abusivos, bem como suas decisões que violam as liberdades democráticas. Sim, o Congresso dá sua contribuição a esse esgarçamento com sua omissão diante dos atos de ministros do Supremo, ou quando usa instâncias como a CPI da Covid para reforçar o ataque à liberdade de expressão. Razões para indignação existem, e são muitas. Mas não, a violência, a invasão, a depredação e o vandalismo não são – jamais foram – a resposta para tais situações. E nem falamos do erro estratégico grosseiro, por meio de um ato que não tem resultado prático algum (ou quem acredita que Alexandre de Moraes vá retificar seus abusos depois deste domingo?) e apenas serve para dar justificativas a quem queira criminalizar a direita como um todo; ainda que estivéssemos diante de uma jogada de mestre, ela continuaria a ser profundamente antidemocrática e criminosa.
Não esperamos outra coisa a não ser uma investigação profunda e criteriosa – afinal, imagens da invasão não faltam, feitas inclusive pelos próprios vândalos – e a devida punição aos responsáveis, até por ser um caso evidente que justifica prisões em flagrante. Que se apure absolutamente tudo, não apenas a identidade dos invasores: é preciso verificar, por exemplo, se houve incitação, se a polícia do Distrito Federal fez tudo o que estava a seu alcance ou se foi omissa (e, neste caso, se houve instruções no sentido de facilitar a invasão), e mesmo a possibilidade do chamado false flag, que neste caso consistiria na eventual participação de esquerdistas, empenhados em radicalizar o ato para manchar mais ainda a reputação do bolsonarismo. Se queremos evitar que algo assim se repita, os atos deste domingo precisam ser esclarecidos e punidos em sua totalidade.
E, se é imprescindível que se recupere o quanto antes o império da lei e da ordem na capital da República, temos de endossar a decisão do presidente Lula, que decretou intervenção federal no Distrito Federal, limitada à área da segurança pública. Se a intervenção houvesse sido mais ampla, estaríamos certamente diante de um abuso; mas permitir que a União empenhe todos os meios legais para retomar o controle da Praça dos Três Poderes nada tem de descabido. No entanto, é preciso devolver o poder a quem de direito assim que a situação se normalizar, e o crime dos invasores deste domingo não pode servir de pretexto para uma escalada repressora que extrapole o estritamente necessário para a elucidação e a punição do “Capitólio brasileiro”.