Os argumentos contrários à investigação das denúncias contra Lula feitas por Marcos Valério não se sustentam, seja por incoerência, seja por violar a Constituição ao insinuar que certas pessoas mereceriam tratamento privilegiado
Entre notícias e desmentidos, a possibilidade de o ex-presidente Lula ser investigado pelo Ministério Público Federal pelas denúncias feitas por Marcos Valério, publicitário que foi um dos operadores do mensalão, voltou à tona. Segundo reportagem do jornal O Estado de S.Paulo publicada ontem, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, já teria decidido encaminhar a denúncia ao MPF, que faria a investigação em primeira instância em São Paulo, Minas Gerais ou Brasília. Ainda ontem, o MPF divulgou nota negando o teor da reportagem e afirmando que Gurgel não iniciou a análise do depoimento dado por Marcos Valério em setembro de 2012. Segundo o publicitário, Lula sabia do mensalão e o autorizou, tendo inclusive recebido dinheiro do esquema em 2003 para gastos pessoais, por intermédio do assessor Freud Godoy. Importa é que as denúncias sejam realmente investigadas, independentemente de quando começar a apuração.
Desde que o escândalo da compra de apoio parlamentar no primeiro mandato de Lula foi revelada, em 2005, o nome do ex-presidente sempre ficou de fora das denúncias. Quando falou sobre o assunto, Lula negou envolvimento, se disse traído pelos companheiros, admitiu em entrevista na França que houve caixa dois, mas que isso todo mundo fazia, para depois começar a denunciar o que chama de "farsa do mensalão". Desde que apareceram as novas afirmações de Valério, no entanto, a tática vem sendo o silêncio incomum para um ex-presidente tão loquaz, acompanhado por providenciais viagens ao exterior. Quando muito, chamou de "mentiras" as declarações do publicitário; de resto, deixou a tarefa de defendê-lo aos demais petistas e ao instituto que leva seu nome.
A estratégia de defesa petista vem se resumindo em dois pilares: um deles consiste na desqualificação de Marcos Valério. Por esse raciocínio, um condenado a mais de 40 anos de prisão não mereceria crédito. Foi o que disseram, em diferentes ocasiões, Jilmar Tatto, líder do PT na Câmara dos Deputados; e o presidente da Câmara, deputado Marco Maia. Obviamente Tatto e Maia jamais saberiam explicar por que a condenação judicial faz de Valério um desqualificado enquanto José Dirceu e o agora deputado federal José Genoino, igualmente condenados pelo STF, seguem gozando de muito crédito e reputação entre os petistas.
O segundo pilar da defesa petista é ainda mais preocupante, pois representa a negação do princípio de que todos são iguais perante a lei: é a ideia de que Lula, por sua trajetória política e pelo que representou na Presidência da República, estaria acima das obrigações legais que afetam os brasileiros comuns e não deveria ser investigado. Era isso que tinha em mente o presidente do Senado, José Sarney, que chamou Lula de "um patrimônio do país" no mês passado devolvendo a gentileza feita pelo ainda presidente em 2009, quando Lula defendeu Sarney no escândalo dos atos secretos no Senado afirmando que "Sarney tem história no Brasil suficiente para que não seja tratado como se fosse uma pessoa comum".
Mas nem Sarney, nem Lula estão acima da lei e da Constituição. Assim como o presidente do Senado deveria ter sido levado à Comissão de Ética em 2009, as denúncias de Marcos Valério contra Lula precisam, sim, ser investigadas, como esta Gazeta já pedia em editorial de 16 de dezembro. Se o publicitário estiver finalmente dizendo a verdade a respeito de Lula, ele precisa pagar por sua participação no maior escândalo de corrupção da história brasileira. Mas, se as afirmações de Valério forem um mero blefe, a investigação finalmente livrará Lula das suspeitas que pairam sobre ele desde 2005 e o ex-presidente sairá fortalecido. Se ele é realmente inocente, como seus defensores alegam, não há motivos para impedir a apuração das denúncias pelo Ministério Público.
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