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Editorial

A perpetuação do arbítrio

Luciano Hang prestou depoimento à CPI da Covid no Senado nesta quarta-feira (29)
O empresário Luciano Hang, durante depoimento à CPI da Covid no Senado: medidas cautelares ordenadas contra ele e outros empresários por Alexandre de Moraes continuam em vigor. (Foto: Leopoldo Silva/Agência Senado)

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Os arbítrios cometidos pelo Judiciário “em nome da democracia” têm sido tão abundantes nos últimos dias – o procedimento da moda, agora, é a censura a veículos de imprensa, incluindo esta Gazeta do Povo, e a tuítes que expõem a aliança entre Lula e o ditador da Nicarágua, Daniel Ortega – que é grande o risco de a sociedade se esquecer dos arbítrios mais antigos e que ainda vigoram. O caso mais grotesco já dura um mês e meio: a perseguição a oito empresários, submetidos a uma série de medidas cautelares devido a uma simples conversa privada em um grupo de WhatsApp.

Em 23 de agosto, os empresários foram alvo de operação da Polícia Federal autorizada por Alexandre de Moraes, relator dos abusivos inquéritos das fake news e das “milícias digitais” no Supremo Tribunal Federal; eles tiveram celulares apreendidos, seu sigilo fiscal e telemático quebrado, contas bancárias bloqueadas, e perfis em mídias sociais suspensos. A única medida que Moraes não ordenou foi a prisão, apesar de isso também ter sido solicitado por um trio de parlamentares petistas e pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). O senador, aliás, assumiu o papel de um “procurador-geral da República informal”, já que partiu dele a solicitação da quebra de sigilo bancário e do bloqueio de contas – a Polícia Federal havia se limitado a solicitar a quebra de sigilo telemático.

À exceção do bloqueio de contas bancárias, todas as medidas cautelares contra o grupo de empresários, ordenadas por Alexandre de Moraes, seguem vigorando, mais de um mês e meio depois do início das investigações

E por que tamanho grau de repressão? O que teriam feito os oito empresários de tão grave que merecesse todo esse elenco de medidas cautelares? Absolutamente nada além de expressar opiniões privadamente a respeito dos rumos do Brasil pós-eleição, e de fazer algumas conjecturas logo abandonadas sobre meios de incentivar o voto em Jair Bolsonaro para a Presidência da República. Em outras palavras, “crime de opinião” e “crime de cogitação”, figuras que só existem em regimes totalitários e distopias literárias. Para justificar a perseguição, o delegado da PF Fábio Shor tentou enquadrar as conversas dos empresários nos crimes de “constituição de milícia privada” e “abolição violenta do Estado Democrático de Direito”, previstos respectivamente nos artigos 288-A e 359-L do Código Penal. Um delírio surreal, já que absolutamente nada nas conversas indicava que os empresários tramassem algum tipo de ruptura institucional.

Não faltaram tentativas de encerrar a perseguição. A Procuradoria-Geral da República pediu o arquivamento da investigação, e os advogados de Luciano Hang solicitaram que ela fosse remetida à primeira instância, já que nenhum dos empresários tem prerrogativa de foro e, por isso, seu caso jamais deveria estar nas mãos do Supremo. Alexandre de Moraes negou ambos os pedidos. Neste mês e meio, a única concessão feita pelo ministro relator foi o desbloqueio das contas bancárias, pois o 7 de setembro já havia passado – como se os empresários fossem usar seus recursos para bancar um golpe de Estado no dia do Bicentenário da Independência...

Isso significa que todas as demais medidas cautelares contra os empresários seguem vigorando, inclusive a quebra de sigilo telemático e a apreensão dos celulares. Como é improvável que a Polícia Federal necessite de tanto tempo para colher as informações necessárias a respeito da conversa que levou a toda essa investigação, fica patente que os aparelhos devem estar sendo vasculhados à procura de qualquer outra coisa que incrimine os empresários, ainda que sem ligação alguma com as mensagens iniciais, na chamada “pesca probatória”, prática inaceitável em um Estado de Direito. O modus operandi neste caso parece ser “mostre-me o homem e eu encontrarei o crime”, repetindo as famosas palavras de Lavrentiy Beria, chefe da NKVD, a polícia política de Stalin.

Aquela parte da sociedade civil organizada que, com razão, se levantou contra este arbítrio – pois há outra parte que segue em seu silêncio cúmplice – não pode permitir que outros assuntos, mesmo que sumamente importantes como a eleição presidencial, ofusquem o absurdo que consiste no prolongamento desta perseguição. Além do front da opinião pública, um grupo de 131 delegados pediu à PGR que abrisse investigação contra Moraes e Shor por abuso de autoridade, solicitação que ainda não teve resposta – em caso positivo, pela primeira vez na história do país um ministro do Supremo seria investigado criminalmente. Independentemente do que diga a PGR, no entanto, é fato que os abusos cometidos não só nesta investigação, mas ao longo de todos esses inquéritos são mais que suficientes para afirmarmos que a democracia corre muito mais risco pelas mãos dos investigadores que pelas dos investigados.

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