A imaginação popular é estimulada a acreditar que o motor do crescimento econômico e do desenvolvimento social é o aumento do consumo. A expressão “o crescimento foi puxado pelo consumo das famílias” tem um viés de verdade à medida que é preciso haver quem compre os bens e serviços para que o sistema produtivo se disponha a investir e produzir, e o aumento do consumo das famílias sugere que o padrão de vida melhora porque as pessoas estão consumindo mais. Em tudo isso há verdades, meias verdades e algumas falácias.
Primeiro, o total do Produto Interno Bruto (PIB) – que é a soma de todos os bens e serviços finais produzidos dentro do território nacional – é limitado pela capacidade produtiva do país. Os primeiros números da contabilidade nacional informam que, a preços correntes, o PIB de 2017 foi de R$ 6,6 trilhões. Os bens e serviços que compõem o PIB são divididos em bens e serviços de consumo (tudo o que o país consome) e bens de capital (tudo o que o país investe, como estradas, portos, usinas, fábricas, máquinas, equipamentos, veículos etc.). Os bens e serviços de consumo são destruídos no próprio ano de sua produção, enquanto os bens de capital se destinam a elevar a infraestrutura física, a infraestrutura empresarial e a infraestrutura social, e aumentam a capacidade produtiva nacional nos anos seguintes.
A taxa de investimento em 2017 foi de apenas 15,6% do PIB, a mais baixa taxa desde 1996
Segundo, a parte do PIB que é consumida é a soma do consumo das famílias, consumo do governo e consumo do resto do mundo (exportação brasileira de bens e serviços de consumo). É possível, em dado ano, o consumo total aumentar pela via do aumento do consumo do governo e pelo aumento das exportações de bens de consumo, sem que haja elevação do consumo das famílias. Um terceiro aspecto relevante é que, para garantir que o país tenha capacidade de aumentar o PIB dos anos seguintes a fim de acompanhar o crescimento da população e melhorar o produto por habitante, o total de investimentos como proporção do PIB precisa se dar a taxas capazes de dar suporte ao crescimento.
Sendo o Brasil muito pobre e com sua população crescendo em torno de 0,8% ao ano, a melhoria rápida do padrão de bem-estar médio requer taxa de crescimento do PIB de 5% ao ano e, para que isso aconteça, o ideal é uma taxa de investimento de 25% do PIB. Ou seja, do total que o país produz durante um ano, 75% deveria ser a fatia de bens e serviços de consumo e 25%, a fatia de bens de capital. É nesse ponto que o Brasil tem um nó que vem fazendo o país patinar e não ser capaz de crescer a taxas próximas de 5% ao ano – e sem isso não há como sair do clube dos pobres e atrasados. A taxa de investimento em 2017 foi de apenas 15,6% do PIB, a mais baixa taxa desde 1996, taxa essa que os economistas chamam de “formação bruta de capital fixo” para indicar o total de investimentos de um ano sem levar em conta o desgaste (depreciação) da estrutura produtiva, isto é, a parte que deixa de ser produtiva nos anos seguintes. Quanto menor a formação bruta de capital fixo de um ano, menor é a capacidade de aumento do PIB do ano seguinte.
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A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) alerta que, para o Brasil sair da pobreza e do atraso, é necessário ampliar a liberdade econômica, reestruturar o mercado de crédito, priorizar o setor privado, aumentar a eficiência do governo e combater a corrupção. Isso é verdade, mas não basta se o país não conseguir elevar a taxa de investimento como porcentual do PIB. Se todo aumento do PIB virar consumo agregado (das famílias, do governo e das exportações), a melhoria do padrão de vida é pequena e no máximo será uma festa de curta duração, insustentável e incapaz de tirar a população da pobreza extrema e da baixa renda por habitante.