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O governo Jair Bolsonaro decidiu, como diretriz de política econômica, elevar o gasto público, expandir a demanda agregada e, com isso, amenizar a queda do Produto Interno Bruto (PIB). Ou seja, diante da brutal recessão imposta pelo isolamento social, o governo decidiu tomar medidas capazes de aumentar a demanda e fomentar a produção, sobretudo após a volta da população ao trabalho, pois a crise, a paradeira das empresas e a queda no consumo pessoal e nos investimentos empresariais jogaram para baixo pesadamente a renda do trabalho, em todas as suas formas. Vale mencionar que o caminho para suavizar a queda na demanda por meio do gasto público pode ser executado por diferentes políticas.
Na primeira política, o governo executa um programa de obras de infraestrutura física e infraestrutura social, pelas quais as empreiteiras reativam sua produção, elevam a contratação de mão de obra, reduzem o desemprego e colocam renda nas mãos dos trabalhadores; o país se beneficia com a ampliação de sua infraestrutura geral. Essa política tem vantagens e desvantagens. De um lado, significa aumento do setor estatal na economia, algo criticado em razão da ineficiência e corrupção governamental. De outro lado, pode ter a vantagem de começar a consertar um comportamento maléfico do qual o Brasil nunca conseguiu se livrar: o hábito de iniciar obras, não concluí-las e tornar-se um canteiro de obras inacabadas.
O plano Pró-Brasil, gestado no gabinete presidencial com a participação do ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, mapeou 11,4 mil obras inacabadas e outras 9,4 mil obras que poderiam ser iniciadas e, quem sabe, concluídas nos próximos meses e nos anos seguintes. Embora não haja dinheiro sobrando – pelo contrário, já havia previsão de déficit público elevado antes mesmo da pandemia –, a brutalidade da recessão e o desemprego levam mesmo alguns economistas liberais a defender a intervenção do governo e a ampliação de seus gastos. Se o novo gasto for em investimentos, tem-se a vantagem de expandir o estoque de capital físico e elevar a capacidade produtiva futura.
A retomada da economia com protagonismo privado tem a vantagem de robustecer a estrutura produtiva privada e evitar o gigantismo do setor público
A segunda hipótese de política é a eventual ampliação de gastos do governo por meio de financiamentos ao setor privado, nacional e estrangeiro, para que a recuperação venha por investimentos privados e não estatais. Esse caminho tem a vantagem de robustecer a estrutura produtiva privada e evitar o gigantismo do setor público, que, por constatação, não é o melhor gerente: tem ineficiências, desperdícios e corrupção. Essa é a linha mais defendida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e era o caminho escolhido por ele e sua equipe com as reformas estruturais, atualização da legislação de investimentos, agilização das concessões e privatizações, e o marco regulatório das parcerias público-privadas.
Na terceira política, por fim, o governo aumenta o gasto público por meio de programas de transferência de renda e auxílio financeiro aos pobres e trabalhadores que tiveram perda ou redução de renda durante a pandemia. Assalariados, autônomos, microemepreendedores individuais, pequenos empresários e os milhões de desempregados seriam socorridos por auxílio do governo, com o fim de amenizar o sofrimento, reduzir as tensões, ampliar a demanda por consumo e estimular a produção de bens e serviços. De saída, o governo adotou esta opção e rapidamente implantou um programa de auxílio emergencial de R$ 600 mensais, um benefício financeiro concedido pelo Tesouro Nacional aos trabalhadores informais, microempreendedores individuais, autônomos e desempregados, como instrumento de proteção emergencial para enfrentar a crise. O gasto com o auxílio está estimado em R$ 154 bilhões somente nos três meses de sua vigência, equivalene a quatro programas Bolsa Família, o que transformaria o governo Bolsonaro no autor do maior gasto social dos últimos tempos.
Essa opção tem duas vantagens. A primeira é a de tratar-se de um programa de execução rápida e de efeito imediato. A segunda é quanto ao aspecto social e humanitário, ao amenizar as tensões e até um certo grau de desespero diante da falta de renda em algumas camadas. Como desvantagem, é um programa de consumo que não deixará legado em ampliação do capital físico e será de difícil encerramento ao fim do trimestre, pois o desemprego seguirá e as famílias beneficiadas continuarão dependendo do auxílio para terem um mínimo de consumo de bens básicos.
Apesar de quase toda a repercussão da reunião ministerial de 22 de abril girar em torno das divergências entre Bolsonaro e Sergio Moro, o objetivo do encontro era justamente discutir o Pró-Brasil, e ali houve um choque de ideias entre Guedes e Marinho. O ministro da Economia, embora saiba da necessidade de socorro social, demonstrou preocupação com gastos exagerados em auxílio financeiro às pessoas, considerando que o setor estatal inteiro já estava deficitário antes do coronavírus, e também porque a transferência de renda nesse volume inviabiliza a expansão dos investimentos em infraestrutura. Inicialmente, Guedes se mostrou mais simpático à proposta de reforçar o Bolsa Família – que já custa em torno de R$ 35 bilhões/ano – e ampliar seus gastos de forma organizada, direcionados às camadas mais pobres.
Marinho, por sua vez, é defensor de investimentos em obras públicas e teria incentivado o Pró-Brasil, feito pelo chefe da Casa Civil, ministro Braga Netto, e pelo ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, supostamente sem a participação do ministério da Economia. Os ânimos ficaram exaltados a ponto de o ministro Guedes ter feito insinuações sobre pretensões eleitorais de Marinho, mas ainda assim o debate é muito pertinente quanto ao caminho que o Brasil quer seguir para reerguer sua economia.
O protagonismo do setor público como regra geral já se mostrou daninho
Guedes fez questão de afirmar que é favorável a medidas de caráter emergencial e temporário para salvar vidas, preservar empregos e repor alguma renda aos brasileiros, sem que isso se prolongue após o fim da crise. Para ele, a pandemia e suas consequências representam uma crise da saúde, mas apertar o botão da gastança para ter ganho eleitoral é errado. “Nós vamos seguir nosso programa econômico de transformação do Estado brasileiro (...) Nós temos o compromisso da responsabilidade fiscal. Tivemos uma licença para gastar este ano, mas seria muito oportunismo político, muita irresponsabilidade fiscal e imperdoável para a população brasileira, aproveitar-se de uma crise na saúde para uma farra eleitoral”, afirmou. Embora o ministro tenha apoiado o programa de auxílio emergencial, ele insiste que o país precisa investir em sua infraestrutura para crescer e tirar o país da pobreza renitente, da qual não tem conseguido sair mesmo passados 32 anos da nova Constituição Federal, e que isso passa por seguir com as reformas, as concessões, as privatizações, a conclusão de obras públicas paradas (um vício trágico do setor estatal) e o caráter temporário do auxílio emergencial.
Um “caminho do meio” se impõe. Marinho tem razão quando diz que a situação atual é inédita e extraordinária. Não haverá futuro para o país se indivíduos e empresas não forem socorridos imediatamente, e uma retomada muito lenta pode requerer estímulo governamental. Essa postura, no entanto, tem seus riscos, pois é certo que o protagonismo do setor público como regra geral já se mostrou daninho, como disse Guedes na reunião. “É bonito isso, mas isso é o que o Lula, o que a Dilma tão fazendo há 30 anos. Se a gente quiser acabar igual a Dilma, a gente segue esse caminho (...) O caminho desenvolvimentista foi seguido, o Brasil quebrou por isso, o Brasil estagnou (...) através do excesso de gastos públicos. Então, achar agora que você pode se levantar pelo suspensório, como é que um governo quebrado vai investir, vai fazer grandes investimentos públicos?” A sabedoria estará em achar a dose certa de ação estatal e o momento certo de “mudar a chave” sem transformar o emergencial em permanente.