A inflação de dezembro de 2022, que foi de 0,62%, segundo os dados do IBGE divulgados no último dia 10, superou as estimativas do mercado financeiro. Ainda assim, o acumulado de 12 meses ficou no menor nível desde março de 2021, com o IPCA fechado de 2022 terminando em 5,79%. O número é menor que o de muitos países desenvolvidos, em parte porque o Banco Central brasileiro percebeu mais cedo que os demais que a onda inflacionária não era temporária, como inicialmente se acreditava. Mesmo assim, um olhar sobre os fatores que determinaram o comportamento dos preços em 2022 e a carta enviada pelo presidente do BC, Roberto Campos Neto, ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, mostram que trazer o IPCA para a meta vai exigir muito esforço das autoridades, e qualquer deslize será um convite para a volta do dragão da inflação.
O ano de 2022 foi marcado pela continuação dos choques de oferta e de demanda que bagunçaram a economia global nos últimos anos. Enquanto praticamente todo o resto do mundo retomava a vida normal no pós-pandemia, a China insistiu em sua política de Covid zero, com lockdowns que seguiram desorganizando cadeias produtivas mundo afora. O ataque russo à Ucrânia, iniciado em fevereiro do ano passado, abalou fortemente o mercado de commodities e o setor de energia. No Brasil, tanto os eventos climáticos que afetaram o agronegócio e os preços dos alimentos quanto a recuperação da demanda com o fim das restrições causadas pela pandemia, especialmente nos serviços, pressionaram a inflação para cima.
A não ser que algum evento imprevisto tenha efeito positivo sobre a inflação, a única forma de evitar novas altas de juros é uma política econômica fiscalmente responsável. E é aqui que mora o perigo
Na outra ponta, os principais fatores que ajudaram a conter o IPCA foram a própria ação do Banco Central, elevando os juros, e uma canetada política: o projeto de lei aprovado pelo Congresso e sancionado por Jair Bolsonaro em meados de 2022, obrigando os estados a reduzir de imediato o ICMS de itens como combustíveis, energia elétrica e telecomunicações. Esta redução já havia sido determinada pelo STF, mas deveria valer apenas a partir de 2024, dando tempo aos estados para que se adaptassem; a escalada inflacionária, em um cenário de petróleo e energia caros, graças à invasão russa e à crise hídrica (esta última superada apenas no segundo trimestre do ano passado), criou o clima para a aprovação do projeto de lei que antecipou a redução. Sem os três meses seguidos de deflação causada pela mudança na tributação, o IPCA do ano teria sido bem maior que os 5,79%.
Sem o empurrão para baixo causado pela redução no ICMS – e com a perspectiva de volta da tributação federal sobre a gasolina, que o governo adiou para não ter de lidar com um revés político logo nos primeiros dias de mandato –, será muito mais difícil reduzir a inflação em 2023. Campos Neto afirma em sua carta a Haddad que há chances consideráveis de o IPCA ainda ficar acima do limite superior de tolerância para este ano, que é de 4,75% (a meta é de 3,25%, com tolerância de 1,5 ponto para cima e para baixo). Neste cenário, a não ser que algum evento imprevisto tenha efeito positivo sobre a inflação, a única forma de evitar que o Copom retome o aperto monetário, com novas altas de juros, é uma política econômica fiscalmente responsável.
E é aqui que está o perigo. O teto de gastos, depois de meses de agonia, causada tanto pelas declarações de petistas quanto por PECs e projetos de lei que desmoralizaram a âncora fiscal, teve seu fim decretado na PEC fura-teto. O governo federal já demonstrou sua intenção de dar asas à gastança, e o pacote de “ajuste” anunciado por Haddad nesta quinta-feira é basicamente uma série de medidas para incrementar a receita, com pouquíssimas ações para reduzir despesas. Será preciso ir muito além disso para espantar o dragão.
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