Foi por muito pouco, mas a inflação finalmente passou um ano dentro do limite de tolerância estabelecido pelo Conselho Monetário Nacional. O mercado financeiro projetava um IPCA de quase 0,50% em dezembro de 2023, mas o índice teve uma aceleração súbita e fechou o mês passado em 0,56%, depois de sete meses seguidos abaixo de 0,30%. Com isso, a inflação oficial de 2023 terminou em 4,62%, pouco abaixo dos 4,75% que constituíam o limite máximo de tolerância da meta de 3,25% estabelecida para o ano. Este repique de fim de ano acende um sinal de alerta, pois teve forte influência de fatores que ainda devem atrapalhar os preços ao menos neste início de 2024.
O IPCA de dezembro foi puxado especialmente pelos alimentos. Em 2023, o grupo Alimentação e Bebidas subiu apenas 1,03%, bem abaixo da média, graças às supersafras do início do ano e à queda no preço internacional de commodities agrícolas, que reduziu os custos de produção de outros itens como carnes. No entanto, esse mesmo grupo teve alta de 1,11% em dezembro, especialmente graças aos eventos climáticos que estão prejudicando o setor agropecuário. Só em dezembro, a batata subiu 19%; o feijão, quase 14%; e o arroz, pouco menos de 6%. Como o El Niño ainda deve seguir castigando as lavouras nos próximos meses, os alimentos devem seguir pressionando o IPCA ao menos neste primeiro trimestre de 2024.
Justamente por haver tantos fatores externos que podem puxar a inflação para cima que o governo deveria ser ainda mais cuidadoso para não ser ele mesmo um causador de inflação, mas Lula e Fernando Haddad fazem exatamente o oposto
As altas temperaturas e o regime bastante irregular de chuvas ainda podem pressionar o setor elétrico. Desde a superação da grave crise hídrica, o Brasil tem operado sob bandeira verde, sem cobranças adicionais na conta de energia elétrica. No momento, ainda não há razões para pânico, mas entidades do setor produtivo já vêm manifestando apreensão caso os problemas climáticos se prolonguem. A energia elétrica faz parte do grupo de preços monitorados, aqueles definidos pelo poder público ou por contratos, e que em 2023 tiveram alta de 9,12%, praticamente o dobro do IPCA cheio. A influência deste grupo é ainda mais perceptível considerando-se que os quatro itens específicos que mais tiveram peso no IPCA do ano passado eram monitorados: gasolina (0,56 ponto porcentual), emplacamento e licença (0,53 p.p.), plano de saúde (0,43 p.p.) e energia elétrica residual (0,37 p.p.). Os combustíveis, aliás, devem seguir puxando os índices para cima com elevações de impostos federais e estaduais neste primeiro trimestre.
Se há fatores inflacionários, como os climáticos, que escapam do controle de qualquer governo, há outros que dependem diretamente de quem controla o orçamento. E economistas ouvidos pela Gazeta do Povo no fim do ano passado afirmam que o descontrole fiscal do governo pode ser mais prejudicial para o controle dos preços que qualquer evento climático. A União já está elevando suas despesas bem acima do ritmo do crescimento da economia e a tendência é que este processo se repita ou até se intensifique em 2024. A equipe econômica continua insistindo em buscar o déficit zero apenas por meio do aumento da receita, tributando tudo o que for possível, sem cortar gastos, uma receita de fracasso garantido. A não ser que reverta o curso, gastando menos e realizando reformas, o resultado provável será uma combinação de incentivo à demanda e redução da confiança na saúde fiscal brasileira, ambos fatores que puxam os preços para cima, direta ou indiretamente (por exemplo, por meio da desvalorização do real).
É justamente por haver tantos fatores externos que podem puxar a inflação para cima que o governo deveria ser ainda mais cuidadoso para não ser ele mesmo um causador de inflação. No entanto, Lula, Fernando Haddad, parlamentares insaciáveis por emendas e fundos imorais, e outras autoridades fizeram da irresponsabilidade fiscal o seu mantra em 2023 e prometem seguir a cartilha em 2024. Que não reclamem depois se o Banco Central acabar obrigado a frear o processo de afrouxamento monetário para manter a inflação sob controle, caso seja mais uma vez deixado sozinho na missão de combater uma das mazelas econômicas mais prejudiciais aos brasileiros mais pobres.
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