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Editorial

A inflação, a surpresa e o alerta

Preços dos alimentos em alta motivam debates no Congresso
Sacos de arroz em supermercado: item subiu cerca de 40% no acumulado de 2020 até setembro, segundo o IBGE (Foto: Arquivo/Gazeta do Povo)

Alimentos e combustíveis foram os responsáveis pela aceleração da inflação em setembro, segundo o IBGE. O índice oficial brasileiro, o IPCA, subiu 0,64% no mês passado, acima até mesmo das projeções mais pessimistas do mercado financeiro. Com isso, a inflação dos últimos meses subiu para 3,14% e o acumulado de 2020, para 1,34% – o centro da meta do Banco Central é de 4%, com tolerância de 1,5 ponto porcentual para cima ou para baixo.

O número pode ter surpreendido – foi a maior inflação mensal registrada este ano e a maior para um mês de setembro desde 2003 –, mas as causas já eram antecipadas desde o choque nos preços do arroz, que levou a opinião pública a buscar as razões para reajustes tão fortes e súbitos. Os maiores aumentos foram de itens com grande demanda externa, e o dólar alto tornou mais interessante a exportação desses produtos, reduzindo a oferta no mercado interno e, consequentemente, elevando os preços. O arroz, por exemplo, continuou pressionado em setembro, subindo 17,98%, enquanto o óleo de soja teve aumento de 27,54%. As carnes subiram menos, 4,53%, mas, devido ao peso de cada item na conta do IPCA, elas foram responsáveis por 0,12 ponto porcentual do índice mensal, contra 0,10 do arroz e 0,06 do óleo de soja. Também a gasolina ajudou a levar o IPCA para cima, subindo 1,95% em setembro – não apenas ela é o item isolado de maior peso no cálculo da inflação, mas sua alta acaba se refletindo também nos preços de vários outros produtos.

Se os investidores sentirem que não há compromisso do governo com o ajuste fiscal e com as reformas, não haverá inflação e juros baixos que resistam

Se em alguns casos os preços subiram pela menor oferta, a demanda maior também explica parte do indicador. O auxílio emergencial pago pelo governo permitiu às famílias manter ao menos parte do seu nível de consumo pré-pandemia. Mas o IBGE também registrou aumentos em itens que haviam sido duramente afetados pelas medidas restritivas e que ensaiam uma recuperação à medida que as restrições vão sendo levantadas gradativamente em várias regiões do país – caso, por exemplo, das passagens aéreas e do vestuário.

O salto da inflação é um choque momentâneo ou é sinal de algum problema mais profundo com a economia brasileira? A leitura dos comunicados e atas do Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, pode servir de orientação. Até o momento, trata-se de questões momentâneas – no máximo, essa alta da inflação pode inviabilizar novas quedas nos juros, mas não seria motivo suficiente para que o Copom invertesse a curva da Selic e voltasse a aumentá-la. O IPCA continua rumando para terminar o ano mais perto do piso que do centro da meta do Banco Central.

Mas a situação pode mudar se o governo continuar flertando com maneiras de burlar ou até mesmo abolir o teto de gastos para acomodar benefícios que vêm garantindo popularidade cada vez maior a Jair Bolsonaro. Os gastos adicionais de 2020, motivados pela necessidade de combater a pandemia nas frentes sanitária e econômica, estão sendo tolerados, e nem haveria como ser diferente; mas a manutenção da confiança depende de o governo retomar o rumo do ajuste em 2021. O truque de bancar o Renda Cidadã com recursos do Fundeb e com o adiamento do pagamento de precatórios não caiu nada bem no mercado, pois significa criar despesas sem cortar outros gastos de mesmo montante. Se os investidores sentirem que não há compromisso do governo com o ajuste fiscal e com as reformas tributária e administrativa, não haverá inflação e juros baixos que resistam.

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