A presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, deu mais uma vez uma demonstração de responsabilidade ao não incluir nenhum pedido de aumento para si e seus dez colegas de STF no Orçamento de 2019. Ela já havia feito o mesmo no ano passado, naquela ocasião contando com a compreensão dos demais ministros. Desta vez, no entanto, há insatisfeitos, que contam com a colaboração do Congresso Nacional para colocar as contas públicas a seu serviço.
Segundo informações do jornal O Estado de S.Paulo, ministros do STF e parlamentares vêm tratando, de forma ainda embrionária, da possibilidade de elevação do teto constitucional, dos atuais R$ 33,7 mil para R$ 38 mil. Mas, como nenhum deputado e senador quer se indispor com o eleitorado, a votação ficaria para depois de outubro, quando os congressistas já não tiverem de se preocupar com a repercussão – seja porque garantiram um novo mandato, seja porque foram rejeitados nas urnas.
A manutenção do auxílio-moradia se tornou a grande prioridade das associações de juízes
A medida, por si só, é extremamente grave devido ao efeito-cascata que tal aumento provocaria, já que diversos salários são atrelados por lei aos vencimentos dos ministros do STF. Um reajuste de quase 13% é um acinte em um país que ainda patina para recuperar o crescimento econômico e cujo orçamento está vinculado a um teto de gastos segundo o qual as despesas do poder público não podem crescer mais que a inflação, que neste ano não deve ficar acima de 4%.
Mas há um detalhe que torna as conversas sobre esse aumento ainda mais indecorosas: a diferença de R$ 4,3 mil corresponde exatamente ao valor do auxílio-moradia pago a todos os magistrados, em desrespeito completo ao que diz a Constituição sobre o tema. O benefício se tornou um cavalo de batalha de associações de juízes, que dão tanta prioridade ao tema em comparação com os problemas reais do Judiciário que, no início deste ano, chegaram a propor uma greve em protesto contra as tentativas de restaurar a legalidade e suspender o pagamento indiscriminado. O ministro Luiz Fux, relator das ações contra o auxílio-moradia no Supremo, havia tirado o tema da pauta às vésperas do julgamento que sepultaria o pagamento, alegando que a Advocacia-Geral da União e as associações de magistrados tentariam uma conciliação. Não houve acordo, mas uma das propostas que surgiram nas negociações foi justamente a do aumento do teto constitucional.
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A história pode ser resumida desta forma: os magistrados buscam um benefício flagrantemente inconstitucional, e o conseguem seja por meio de leis como a aprovada pela Assembleia Legislativa do Paraná em 2014, seja por uma liminar como a de Fux, naquele mesmo ano, que estendeu o pagamento a todos os juízes do país. As próprias associações de magistrados não escondem que usam o auxílio-moradia para fazer uma compensação torta de reposições salariais que deixaram de ocorrer desde a eclosão da crise econômica. O Supremo fica impossibilitado de analisar o tema por anos, porque o relator não libera as ações; quando o faz, muda de ideia às vésperas do julgamento, ciente de que o plenário concluirá que o benefício é irregular. Por fim, surgem negociações para que a ilegalidade seja incorporada ao salário definitivamente. Uma verdadeira gambiarra para eliminar não o benefício, mas a contestação a seu pagamento, já que ele deixaria de ser um penduricalho para ser dissolvido dentro do contracheque.
Que isso esteja sendo cogitado em um momento como este só demonstra a bolha em que os responsáveis por essa negociação se encerraram, insensíveis às dificuldades do Brasil real, onde a esmagadora maioria dos trabalhadores não recebe de salário o que um juiz ganha apenas de auxílio-moradia. Que pretendam votar o aumento apenas depois das eleições é demonstração cabal de que os envolvidos têm perfeita noção do dano que causam. Eles são o retrato de um país movido a privilégios, na contramão daquilo que todos desejamos para o Brasil.