Há inúmeras leis disponíveis no aparato legal brasileiro para conter os abusos de administradores públicos. Entretanto, a prática tem demonstrado que eles não são nem de longe suficientes, a julgar pela situação em que vários prefeitos entregaram suas cidades aos sucessores
A cada início de gestão de um novo prefeito especialmente se ele representa um grupo que até então era de oposição é comum o surgimento de escabrosas denúncias contra a administração do anterior. Abrem-se os armários e lá se veem penduradas dívidas impagáveis, obras inacabadas ou mal-feitas, gastos supérfluos, licitações irregulares, pagamentos indevidos, privilégios distribuídos a apaniguados, desvios monumentais de recursos públicos. Alguns ex-prefeitos chegam ao cúmulo de destruir documentos, desaparecer com registros e até levar as chaves da prefeitura.
Afora casos que merecidamente passam a fazer parte do inesgotável anedotário nacional como o emblemático banheiro transparente de uma obra municipal em Ponta Grossa , há outros dos quais não se deve achar graça nenhuma. Ao contrário, são retratos prontos e acabados de vícios persistentes na administração pública e que, mais que piadas, são autênticas tragédias a afetar a população. Basta que se pergunte quanto custam à sociedade a corrupção e o desperdício de dinheiro público para se ter ideia dos malefícios causados pela irresponsabilidade de muitos gestores que deixam a administração em frangalhos.
Na segunda-feira, a Gazeta do Povo mostrou a situação de vários municípios paranaenses cujos novos prefeitos receberam autênticas "heranças malditas" de seus antecessores. Em Farol, no Centro-Oeste do estado, ônibus estavam sem pneus e sem motor, e foi preciso arrombar prédios públicos porque as chaves não tinham sido entregues pela administração anterior. Em Paranaguá, no Litoral, a coleta de lixo foi prejudicada. Várias cidades pequenas decretaram moratória, e os novos prefeitos dos principais municípios paranaenses e da capital, Curitiba, também se juntam ao coro de reclamações.
A Lei de Responsabilidade Fiscal, a Lei das Licitações, o Código de Ética Pública e a Lei da Ficha Limpa são alguns dos instrumentos disponíveis no aparato legal brasileiro destinados a conter os abusos. Entretanto, a prática tem demonstrado que eles não são nem de longe suficientes como se vê, apenas para citar mais um exemplo da ineficácia das leis, no caso dos deputados José Genoino (PT-SP) e Natan Donadon (PMDB-RO) que, embora condenados pelo STF à prisão, exercem na plenitude os seus mandatos parlamentares.
Mas a cornucópia de denúncias contra os antecessores com que os novos empossados brindam a opinião pública também pode ser vista de um modo diferente. Para muitos que foram eleitos graças a promessas que sabiam não poder cumprir quando no exercício do cargo, as tais "heranças malditas" e "caixas pretas" que recebem passam a servir-lhes de confortável muleta para eximirem-se da responsabilidade de cumpri-las. Seus sucessores farão o mesmo.
De qualquer forma, seja lá quais forem as motivações para virem à tona tantas mazelas nesta temporada de lua de mel dos novos prefeitos, o fato principal não deve ser esquecido. Se verdadeiras suas denúncias, se tão graves são os desvios e os desperdícios de que acusam os antecessores, o melhor que têm a fazer é procurar as vias cabíveis das autoridades policiais ao Judiciário para que seus autores sejam responsabilizados e obrigados a ressarcir os prejuízos que causaram à administração pública.
Mais ainda: que não repitam nos próximos quatro ou oito anos de mandato os mesmos desmandos, mantendo o círculo pernicioso do qual a vítima é uma só o povo que paga impostos e que tem o direito de vê-los revertidos integral, correta e honestamente em obras e serviços públicos. O resto é piada.
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