Depois de vários meses de denúncias de mau uso do dinheiro público, nepotismo e o apontamento de uma série de outras irregularidades administrativas, os integrantes do Senado Federal têm agora uma oportunidade de mostrar algum compromisso com a transparência e a moralidade. O presidente da Casa, José Sarney, declarou a intenção de exonerar os servidores que não responderam ao censo realizado pela administração para recadastrar todos os seus funcionários. Pelo menos 31 servidores não haviam se recadastrado até a última sexta-feira, quando terminou o prazo para o envio de tais dados ao censo elaborado com o propósito de identificar os fantasmas. A direção do Senado informou que esses servidores terão os salários cortados e que se não se apresentarem num prazo muito curto, serão alvo de sindicância, podendo ser demitidos.
As medidas anunciadas são o mínimo que a sociedade espera depois de tantas demonstrações de fisiologismo, prática decorrente de uma cultura política marcada pelo apego desmedido ao poder. São um simples começo. Os senadores precisam fazer muito mais para moralizar a Casa e para honrar a instituição, mantendo firme o papel do Legislativo, um dos pilares da democracia.
Resolvido o óbvio, ainda que tardiamente, os senadores conduzirão outra questão importante, mas que também não pode ser sobrevalorizada: a da reforma administrativa. No fim de outubro, Sarney apresentou aos parlamentares uma proposta de reforma formulada pela Fundação Getúlio Vargas. Os parlamentares têm até o fim da próxima semana para dar sugestões que serão analisadas pela FGV antes de o texto consolidado ser apreciado em plenário, em forma de projeto de resolução. Entre os destaques da proposta, Sarney apontou a redução dos cargos de chefia de 602 para 361 e o de "diretores" de 180 para 7. A queda drástica, especialmente em relação ao cargo de "diretores", de nebulosa definição, chama a atenção. Se um número tão menor de servidores é suficiente para o andamento dos trabalhos, por que a ideia não surgiu antes? A falta de compromisso, resposta evidente para a indagação, deixa claro que o corte não é exatamente fruto da vontade da presidência do Senado, mas uma escolha forçada de quem precisa dar alguma satisfação à sociedade, que reagiu à série de escândalos com protestos e até com o pedido de renúncia de Sarney.
Chegou a hora da tréplica. Os senadores precisam saber que, ainda que desejável, a reforma que reduz o inchaço da máquina não é o bastante. Afinal, um exame mais detalhado revela, por exemplo, que a proposta de reforma deixa protegidas as indicações políticas dos senadores até o final do próximo ano. Somente em 2011 entraria em vigor uma limitação de número de funcionários. E, mesmo assim, o valor para salários nos gabinetes seria o mesmo, havendo redução de gastos apenas com encargos trabalhistas. Além disso, a reforma estipula uma vaga cativa para um velho aliado de Sarney, Fernando Cesar Mesquita. O jornalista, diretor da Secretaria de Comunicação Social do Senado, será o único servidor comissionado (não concursado) que poderá ocupar uma das diretorias.
Em suma, o que se conclui é que as medidas adotadas aqui e ali não resolvem o problema real. Não retiram de cena uma nociva cultura política, impulsionada no Executivo, baseada na premissa de que qualquer método é aceitável para a conquista e a permanência no poder. Todos os meios valem, mesmo os que estejam em direção oposta ao do interesse público. Essa é a ideia predatória que precisa ser extirpada da vida pública nacional. Mas esse compromisso Sarney não assumiu.
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