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editorial 1

Jogo equivocado

Aproxima-se o dia em que os deputados brasileiros dirão se querem ou não a volta do jogo no paí­s. Há pouco menos de duas semanas, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal aprovou projeto de lei que permitirá o funcionamento de casas de bingo, de caça-ní­queis e outras modalidades de jogo de azar, deixando-o pronto para ser apreciado pelo plenário, provavelmente ainda neste mês de outubro, e, se aprovado, encaminhado ao Senado para a votação final.

Não é a primeira vez que se tenta reinstituir a jogatina no Brasil. Desde que o presidente Eurico Gaspar Dutra, sob a influência de sua esposa, dona Santinha, baniu os cassinos glamurosos que existiam até a segunda metade da década de 1940, muitas foram as tentativas de ressuscitá-los. Chegou-se próximo disso quando, por muitos anos, a partir dos anos 80, permitiu-se a instalação de casas de bingo e a exploração de máquinas caça-ní­quel – modalidades de jogos de azar finalmente proibidas por uma medida provisória assinada pelo presidente Lula em 2004.

Agora, entretanto, os defensores do retorno reaparecem com mais força, embora carreguem o mesmo velho, surrado arsenal de argumentos que sempre brandem para convencer os incautos. Segundo eles, a aprovação da lei criaria pelo menos 300 mil empregos no país com a instalação – calculam – de 1.500 casas de bingo e um sem-número de caça-ní­queis. Num mo­­mento de crise no mercado de trabalho, o argumento soa forte. Mais ainda quando, a referendá-lo, está o entusiasta presidente da Força Sindical, o deputado paulista Paulo Pereira da Silva.

Entretanto, tal suposto benefí­cio não é seguramente suficiente para compensar os malefí­cios sociais que sem dúvida advirão, especialmente para as pessoas que são dependentes do jogo e para suas famílias. Também não há argumentos convincentes para derrubar as evidências que ligam o jogo às mais diversas modalidades criminosas, incluindo lavagem de dinheiro, sonegação fiscal e tráfico de drogas. São atividades comprovadamente interligadas, cujos prejuí­zos econômicos e sociais nunca poderão ser compensados pelo acréscimo de 0,5% sobre a massa de 60 milhões de brasileiros atualmente empregados.

Vê-se, desde logo (salvo para os que se deslumbram com a luxuosa, iluminada e falsa agitação de Las Vegas), que a jogatina não deve figurar entre as melhores alternativas para a geração de empregos, especialmente num paí­s tão rico em recursos naturais e humanos e com tão grande potencial de exploração de oportunidades econômicas produtivas. Disso devem saber os lobistas da volta do jogo, ainda que agreguem outros argumentos ao da criação de empregos, como a dinamização do turismo e seus ramos correlatos. Esse conjunto é visivelmente frágil diante dos nefastos efeitos que sobrevirão com a associação de jogo e crime organizado.

Certamente sabendo frágeis as suas razões, os parlamentares autores do projeto de lei acrescentaram outras, de cunho aparentemente nobre, fazendo constar artigos que tornam obrigatória a destinação de parte da renda das casas de jogo a setores sempre carentes de recursos, como a educação, a saúde pública e o desenvolvimento de esportes. Como se fosse possí­vel fiscalizar com o rigor contábil a movimentação financeira de alguns milhares de caça-ní­queis! E como se, no ramo, não fossem usuais os processos de corrupção para fins de sonegação tributária!

Aliás, lembre-se que por alguns anos as casas de bingo funcionaram no país protegidas por leis que as "obrigavam" a reverter porcentuais de seus lucros para atividades esportivas. Tais leis ganharam nomes populares – primeiro, a Lei Zico, depois, a Lei Pelé, homenageando ídolos do futebol que, feitos ministros de Estado, as propuseram. Deu no que deu: não só não houve quem fiscalizasse seu cumprimento, como escândalos de corrupção envolvendo agentes públicos tentados a tirar vantagem brotaram de todos os lados. Foi um desses escândalos, o que envolveu o assessor da Presidência Waldomiro Diniz, flagrado cobrando propina de chefões do jogo, que levou o presidente Lula a assinar a medida provisória que baniu o jogo no país.

Se a questão é criar empregos e melhorar a educação e a saúde, o Congresso Nacional tem outros instrumentos, certamente mais eficazes e moral e economicamente recomendáveis do que liberar a jogatina. Para tanto, basta cumprir o seu papel constitucional de fiscalizar o Executivo e de propor polí­ticas públicas para aqueles setores. Ou preferirão, em lugar disso, apenas fazer a alegria do submundo da exploração do ví­cio?

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