Depois de absolver a senadora Gleisi Hoffmann, na semana passada, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal – ou, mais especificamente, os ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski – tirou da prisão o ex-ministro petista José Dirceu, condenado pelo petrolão a 30 anos e nove meses de prisão, pena determinada pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (o juiz Sergio Moro havia condenado Dirceu a 20 anos e dez meses). O ministro Edson Fachin, que é relator da Lava Jato, foi o único voto vencido, já que o decano da corte, Celso de Mello, não estava presente.
Dirceu já tinha sido condenado por ser um dos mentores do mensalão, mas foi perdoado por um indulto natalino assinado por Dilma Rousseff em 2015. À época, o ex-ministro não teve como aproveitar a decisão; ele já tinha sido condenado duas vezes por Moro no escândalo do petrolão e, apesar do recurso ao TRF4, cumpria prisão preventiva por ordem do juiz federal. Em maio de 2017, diante do prolongamento da prisão preventiva sem que houvesse julgamento no TRF4, o Supremo mandou soltar Dirceu pela primeira vez em uma decisão controversa – afinal, era difícil crer que o ex-ministro já não representasse ameaça alguma ao andamento das investigações da Lava Jato; basta lembrar que ele continuou recebendo dinheiro ilegal mesmo durante o julgamento do mensalão. Em setembro de 2017, houve o julgamento no TRF4 e, em maio deste ano, após a análise dos recursos na segunda instância, Dirceu voltou para a cadeia.
Se o Toffoli acha que o TRF4 exagerou, que deixasse essa análise para o julgamento dos recursos no STJ
Desta vez, o relator do pedido de liberdade de Dirceu, Dias Toffoli – que, dadas as suas ligações passadas com o ex-ministro, nem deveria estar julgando o caso, quanto mais ser seu relator –, rejeitou a reclamação apresentada pela defesa, mas também argumentou que havia problemas na dosimetria da pena, que, em sua avaliação, provavelmente seria reduzida no Superior Tribunal de Justiça. Por isso, Toffoli era favorável a conceder um habeas corpus “de oficio” (ou seja, sem que o pedido tivesse de ser apresentado pela defesa) a Dirceu, suspendendo os efeitos da condenação até o julgamento no STJ. Fachin até tentou paralisar o julgamento com um pedido de vista, mas Toffoli insistiu e conseguiu que a liminar fosse votada, com o resultado favorável a Dirceu.
Em outras palavras: para beneficiar Dirceu, Toffoli resolveu se antecipar à própria defesa do ex-ministro, baseando-se em uma avaliação puramente pessoal da atuação do TRF4 e em uma suposição – que existe única e exclusivamente em sua mente – a respeito do que o STJ fará. Isso simplesmente não existe no ordenamento jurídico brasileiro. Se o ministro acha que o TRF4 exagerou, que deixasse essa análise para o julgamento dos recursos no STJ, sem invencionices como a transformação de uma reclamação em um habeas corpus “de ofício”. A decisão de Toffoli, Mendes e Lewandowski se junta, assim, ao salvo-conduto dado pelo plenário do STF a Lula em março: uma solução tirada da cartola em um momento bastante conveniente.
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É bastante preocupante que o Supremo Tribunal Federal esteja, lentamente, tomando decisões que vão minando, pouco a pouco, o bom combate à corrupção. O petismo nem se esforça para esconder que cada voto dos ministros, cada precedente aberto, cada jurisprudência estabelecida é analisada pensando em outro caso: o do ex-presidente Lula, preso na sede da Polícia Federal em Curitiba e tornado inelegível pela aplicação da Lei da Ficha Limpa. Não se pode esquecer que também saiu da pena de Toffoli uma liminar que suspendeu a inelegibilidade do ex-senador Demóstenes Torres, decisão confirmada pela mesma Segunda Turma que agora liberta Dirceu; e que o plenário do STF ainda votará um recurso da defesa de Lula, que também pretende conseguir sair da prisão pelas mãos do Supremo. Que a corte tenha a coragem de interromper esse fluxo de decisões que estão custando muito caro ao Brasil.