A chamada “taxa básica de juros”, conhecida por Selic, cujo nome vem da sigla do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (fazendo que uma das mais importantes taxas de juros da economia tenha o nome de um software de computador), está fixada atualmente em 2,75% ao ano. Essa taxa tem sua relevância maior pelo fato de a ser a taxa anual de juros que o governo paga em sua dívida pública, representada pelos títulos emitidos pelo Tesouro Nacional. No Sistema Especial de Liquidação e Custódia (o Selic), são registrados eletronicamente os títulos da dívida pública, que nada mais são que notas promissórias de dívidas com vencimentos futuros. A dívida pública brasileira, em todos seus formatos e condições, está girando ao redor de R$ 6,7 trilhões, equivalente a pouco mais de 90% do Produto Interno Bruto (PIB), valor total que muda todos os dias em função de pagamentos da dívida vincenda e tomada de novos empréstimos pelo governo ao vender títulos novos.
Inicialmente, vale observar que a taxa Selic não é a mesma para todos os títulos da dívida pública. A partir de 17 de março de 2021, quando a Selic foi elevada para 2,75% ao ano, os títulos anteriormente emitidos com vencimentos futuros continuam no mercado, nas mãos de seus credores, segundo a taxa de juros pactuada na data de emissão deles. Há títulos públicos com vencimento até 2055 e taxa de juros pré-fixada. Uma das funções da taxa Selic é fixá-la para combater a inflação atual e as expectativas de inflação futura. Em condições normais, com economia saudável e sem crise profunda, a taxa de juros dos títulos públicos deve cobrir a inflação mais um rendimento que remunere o poupador, pois o estímulo para que as pessoas façam poupança e apliquem seus recursos depende do rendimento real (acima da inflação) obtido nas aplicações.
Juros baixos sozinhos não têm o poder de levar ao aumento do PIB e fazer o país sair rapidamente da recessão
Em segundo lugar, os agentes econômicos nacionais, especialmente as pessoas e as empresas, são os fornecedores de depósitos e poupança para formar a totalidade dos fundos disponíveis nos bancos para empréstimos. Um banco, quando recebe determinado total de recursos de seus clientes, tem como seus clientes potenciais as pessoas (especialmente os consumidores que querem comprar a crédito), as empresas (que tomam empréstimos para investimentos e capital de giro de seus negócios) e o governo (prefeituras, estados e União). Sendo assim, a soma do endividamento do governo, das empresas e das pessoas tem como contrapartida a existência de credores nacionais (eventualmente estrangeiros também) que depositaram seus recursos e poupanças no sistema financeiro.
Nunca é demais lembrar que, quando o governo gasta mais do que arrecada, a cobertura do déficit se dá por elevação da carga tributária ou por novos empréstimos, sendo que a União federal é o único agente que tem a prerrogativa de também financiar seus déficits emitindo moeda. Ou seja, o governo federal não tem as mesmas restrições financeiras das pessoas, das empresas, dos municípios e dos estados. Não é preciso muito para entender que o tamanho do governo, o tamanho da carga tributária total e o total da dívida pública dependem essencialmente do tamanho do Produto Interno Bruto (PIB), que é igual ao total da renda nacional. Ou seja, a economia de um país, inclusive a economia do setor público, seus gastos e seu tamanho, derivam exclusivamente do tamanho do produto nacional feito pelo setor privado. Essa é uma verdade simples em economia, porém ignorada por muitos dos que se tornam autoridade pública e têm o poder de fazer gastos.
De outro lado, existe um leque de taxas de juros cobradas, pelos bancos, nos diversos tipos de financiamento concedidos às pessoas, às empresas e ao próprio governo. Por óbvio, as taxas de juros cobradas dos tomadores de empréstimos são sempre superiores às taxas pagas aos detentores de aplicações financeiras. As taxas de juros pagas pelo governo sobre a dívida pública, a começar pela Selic atual de 2,75% ao ano, não são altas como muito se fala. Pelo contrário, são taxas compatíveis com a lógica mundial e, após descontada a inflação, dão uma taxa real de juros relativamente baixa. Em síntese, o custo da dívida pública não é um fator de estrangulamento dos gastos governamentais nem um componente distorcido na estrutura da dívida pública, como já foi no passado.
Esse não é o caso das taxas cobradas dos tomadores de empréstimos, sobretudo no crédito ao consumidor e nos financiamentos às empresas para capital de giro e investimentos. Essas taxas sempre foram altas e, portanto, inibidoras do crescimento econômico. Após uma recessão profunda, queda na renda por habitante e queda na arrecadação tributária, é importante haver redução nas taxas de juros para atividades produtivas e empresariais em geral, como forma de promover o investimento, a produção, o emprego e o consumo. Juros elevados por certo inibem e reduzem o potencial de expansão do PIB e do emprego. Entretanto, juros baixos sozinhos não têm o poder de levar ao aumento do PIB e fazer o país sair rapidamente da recessão.
Aqui entra um aspecto que os economistas chamam de “armadilha da liquidez”, ou seja, mesmo havendo fundos disponíveis nos bancos para empréstimos e com taxa de juros relativamente baixa, as pessoas e as empresas podem não tomar a iniciativa de buscar empréstimos para investimento e consumo. A razão é que a decisão de financiamento por pessoas e empresas deriva das perspectivas para as vendas futuras, ou seja, depende da expansão do mercado de bens e serviços, de um lado, e do aumento do emprego, de outro. A armadilha da liquidez pode ser resumida como uma situação em que o juro baixo não leva ao aumento de financiamentos e dos negócios, seja por falta de crescimento do mercado de produtos e do mercado de trabalho ou por outras restrições econômicas, como o estrangulamento e envelhecimento da infraestrutura.
A proposta de aumento da demanda pelo aumento dos gastos públicos também tem seus limites, inclusive o limite do endividamento do setor estatal em seu conjunto. Existe a saída de aumentar as vendas por exportações, mas ela depende da demanda internacional e de uma política nacional de ampliar a participação do país no volume do comércio exterior mundial. De todo esse conjunto de problemas e situações, além de outros, resulta que é importante a redução da taxa de juros para investimento e consumo de pessoas e empresas – considerando que a taxa Selic, para a dívida pública, está em níveis relativamente baixos –; no entanto, se o Brasil não evoluir e melhorar em termos de política de exportações, aumento da inserção no comércio internacional, agilização na absorção de tecnologias externas, expansão da infraestrutura, elevação da qualificação profissional e expansão da educação tecnológica, a retomada do crescimento pode acabar sendo retardada e andar muito devagar.
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