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Editorial

Juros e investimentos

Expectativa de nova onda mundial de investimentos foi frustrada primeiro pela pandemia e, depois, pela inflação e recessão em várias economias desenvolvidas. (Foto: Michal Jarmoluk/Pixabay)

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No fim de 2019, antes que uma pandemia trágica estivesse por vir, o mundo se preparava para adentrar 2020, o último ano da segunda década do século 21, e como de costume inúmeros países promoveriam seu recenseamento geral, para identificar a realidade econômica, política e social, elaborar os diagnósticos e informar quais os maiores problemas que a humanidade deveria enfrentar na terceira década. Assim que a pandemia do coronavírus se alastrou, o mundo inteiro foi pego de surpresa e a maior parte das nações foi mergulhada em doença, morte, isolamento social, recessão, desemprego e uma profunda crise produtiva. O início mais profundo desse processo se deu em março e abril de 2020, recenseamentos foram suspensos e os gargalos antigos e os novos passaram a ser divulgados e analisados.

A velha fórmula de dividir os países em três categorias por situação econômica e social foi reavivada de certa forma, e as nações foram agrupadas por similaridades. O primeiro mundo, formado pelas nações desenvolvidas, aquelas que atingiram elevada renda por habitante, baixos índices de pobreza, economia industrial e tecnológica avançada e elevados indicadores sociais, como educação, saúde, habitação, saneamento etc; o segundo mundo, composto pelas nações que, embora ainda pobres, apresentam condições materiais e econômicas favoráveis ao crescimento e, por isso, têm perspectivas de atingirem a condição de “desenvolvidas”, razão por que são chamadas de “nações emergentes”; e o terceiro mundo, no qual estão as nações subdesenvolvidas, com baixo índice de industrialização e evolução tecnológica, elevados índices de pobreza, parte da população em condições de miséria, infraestrutura deficiente e indicadores sociais bastante baixos, muitas das quais sem perspectivas de desenvolvimento.

A retomada do crescimento econômico e, principalmente, a recuperação dos investimentos no Brasil dependem da redução da taxa de juros, e esta depende da redução da inflação

O terceiro mundo sempre foi predominante em grande parte da Ásia, da África e da América Latina, embora os países dessas áreas apresentem diferenças de magnitude em relação à pobreza e às possibilidades de progresso econômico e social. Essa divisão não é perfeita e muitos a consideram superada, mas ela serve para mapear os três grandes conjuntos e identificar uma série de problemas, gargalos e necessidades comuns. Um ponto que está presente em todos os países do mundo, inclusive nos desenvolvidos, é a necessidade de aumentar os investimentos em seus três eixos: a infraestrutura física, a infraestrutura empresarial e infraestrutura social. As diferenças entre os 193 países filiados à Organização das Nações Unidas (ONU) ficam por conta da dimensão dos gargalos e sua distribuição entre os três eixos.

Os países do terceiro mundo ainda são carentes de investimentos em setores básicos, como habitação, saúde, saneamento, educação de base, postos de saúde, hospitais e suprimento alimentício, problemas esses que, ao menos em sua maior parte, foram resolvidos nos países desenvolvidos já no século passado. Por consequência, os países do terceiro mundo estão muito atrasados na infraestrutura física (rodovias, ferrovias, portos, aeroportos, armazéns, telecomunicações, sistema de circulação urbana), na infraestrutura empresarial (empresas do setor primário, parque industrial, empresas comerciais, de serviços, logística, tecnologia) e, principalmente, em infraestrutura social (que inclui setores básicos já mencionados mais a estrutura de lazer, cultura e instituições sociais em geral). No caso do segundo mundo, grupo no qual está classificado o Brasil, os países têm altos índices de pobreza e miséria, estão atrasados em certos investimentos de setores básicos (caso do saneamento e habitação, por exemplo), sofrem de parque industrial insuficiente em tamanho e modernização tecnológica, carecem de expansão da infraestrutura física, porém, apesar disso, são países que têm recursos naturais e humanos capazes de fazê-los crescer, aumentar a renda por habitante, reduzir os problemas sociais e se aproximar do primeiro mundo.

Foi olhando o grande mapa mundial com os três conjuntos de nações que os analistas especializados e os organismos internacionais – entre eles o Banco Mundial e a ONU – concluíram que, como regra geral, o mundo precisaria elevar a taxa de investimentos como proporção do produto mundial, além de substituir investimentos envelhecidos e atrasados tecnologicamente. Alguns meses antes da pandemia, havia a crença de que o mundo poderia entrar em uma onda de investimentos púbicos e privados por três razões: a boa capacidade financeira do Banco Mundial e outros agentes financeiros públicos para fazer empréstimos aos governos a juros baixos e prazo longo, especialmente direcionados a investimentos na infraestrutura física e na infraestrutura social; taxas de juros relativamente baixas em quase todo o mundo, tanto para financiamentos públicos quanto os concedidos por bancos privados para investimentos e capital de giro das empresas; e inflação baixa e sob controle, de forma a dar previsibilidade aos orçamentos e fazer os investimentos ficarem dentro dos custos orçados, especialmente os que exigem longo prazo de execução e longa maturação econômica após a entrada em funcionamento.

Com a explosão da pandemia e suas consequências, especialmente a retração na produção ocorrida praticamente no mundo todo, derivada do isolamento social, e o fechamento de empresas, serviços pessoais, órgãos públicos etc., os investimentos públicos e privados foram paralisados em grande parte, projetos foram engavetados, investimentos já iniciados foram interrompidos, de forma que o mundo padeceu dois anos de recessão nos investimentos e retardou a solução de velhos gargalos e atuais necessidades. Esperava-se que o mundo pudesse entrar em 2022, uma vez superada a fase aguda da pandemia, em condições de retomar os investimentos e acelerar sua execução, como meio de mitigar um pouco os danos dos anos de retração. O problema é que um empecilho surgiu: a elevação da taxa de juros na maioria dos países, que teve como causa principal um fenômeno resultante da desordem econômica resultante da pandemia: a inflação.

A trajetória da inflação depende de boa gestão das contas públicas e controle do déficit fiscal consolidado dos municípios, estados, Distrito Federal e União

A escassez provocada pelo fechamento de empresas e interrupção de atividades criou um choque de oferta (redução na produção e oferta de bens e serviços), cujo efeito foi a rápida elevação da taxa de inflação, inclusive nos Estados Unidos – país acostumado com inflação baixa –, que viu seu índice de preços aumentar em 2021 e início de 2022, chegando a ser o maior dos últimos 40 anos; a inflação alta, por sua vez, acaba por gerar elevação nas taxas de juros. Por si só, a elevação de taxa de juros é mortal para os investimentos, pois provoca redução substancial em seu volume ao promover elevação dos custos dos financiamentos e elevar os custos das obras e dos projetos. Como agravante, os custos dos investimentos também sobem por efeito da inflação, de forma que a combinação de inflação e juros resulta inevitavelmente em expressiva redução nos investimentos.

Por essas e outras razões, a retomada do crescimento econômico e, principalmente, a recuperação dos investimentos no Brasil dependem da redução da taxa de juros, e esta depende da redução da inflação. Aqui está uma das ações prioritárias para o governo, qualquer que seja o candidato eleito nestas eleições. Felizmente, a inflação oficial, que ficou em 10,06% no ano passado, está dando sinais de arrefecimento e há quem aposte em uma taxa de inflação (medida pelo IPCA) abaixo de 7% para 2022 e de 5,5% para 2023. Se isso ocorrer, abre-se espaço para redução na taxa de juros básica, a Selic, e nas taxas de juros incidentes sobre os financiamentos para investimentos públicos e privados. Porém, a trajetória da inflação também depende de um terceiro elemento: boa gestão das contas públicas e controle do déficit fiscal consolidado dos municípios, estados, Distrito Federal e União. Em resumo: os problemas e as prioridades corretas são conhecidos. Qualquer plano que vá contra isso é aventura perigosa.

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