É corrente nos jornais brasileiros a notícia da decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal que proibiu o jornal O Estado de S. Paulo de divulgar informações a respeito do processo judicial envolvendo Fernando Sarney, filho do presidente do Senado. Sob uma perspectiva amplamente debatida perante a opinião pública, o assunto parece esgotado: as evidências de mais um episódio de censura prévia, em afronta direta à Constituição Federal.
Talvez seja a hora de analisar a mesma questão sob outro enfoque: para além da censura, qual é o santo que fica nu e qual recebe vestes novas no caso concreto? Explica-se. Quando num processo um juiz concede uma liminar, inevitavelmente, acaba por atribuir algo a uma parte em detrimento da outra. Desnuda-se um santo para vestir o outro, afinal de contas, num juízo de urgência, para proteger um bem maior, mostra-se necessário suportar um mal menor. A urgência, por si só, não pode sustentar uma decisão deste tipo. É necessário algo mais, uma aparência de que aquele que busca a liminar efetivamente é titular de um direito protegido ou, como costumam falar os advogados, deve estar presente ao menos a "fumaça de um bom direito".
O caso, visto sob esta ótica, denuncia ainda mais o absurdo. Qual fumaça de um bom direito pertence a Fernando Sarney que justifique uma interdição ao amplo debate público a respeito de um inquérito policial em que se investigam acusações de lavagem de dinheiro, falsidade ideológica e financiamento indevido de campanhas de familiares do Presidente do Senado? Poder-se-ia argumentar, como parece ter feito o ilustre desembargador do Distrito Federal, a proteção ao segredo de justiça. Ocorre que, como todo o direito tem por posição correspectiva um determinado dever, no caso do segredo de justiça, o dever de sigilo pesa sobre o próprio juiz e todos os demais que trabalham nos autos sigilosos (advogados, partes, serventuários da justiça). Se de algum modo estas informações chegam às mãos dos jornalistas, não se mostra razoável, tampouco lícito, proibir que esses acontecimentos reais sejam retratados, mormente quando o assunto é evidentemente de interesse público.
Mostra-se criticável, portanto, o próprio critério segundo o qual alguns processos misteriosamente são colocados sob sigilo e, a partir daí, mais criticável ainda o efeito que se pretende deduzir deste segredo judiciário: fazer com que aquele que viu finja que não viu e mantenha toda a população na mais completa ignorância sobre o que está acontecendo.
Para vestir o sigilo de Sarney, desnudou-se o direito à informação do público leitor. E vejam só. O rei que ficou nu nem mora no Senado. Mora no Tribunal de Justiça.