Um levantamento feito pela Fundação Getulio Vargas mostra que a confiança dos brasileiros no Judiciário está em queda. A nota da população segundo o Índice de Confiança na Justiça (ICJ), que era de 5,9 no segundo trimestre deste ano, baixou para 5,6 no terceiro trimestre. Mas, ao contrário do que se poderia supor, não é a propalada lentidão a responsável pela redução da popularidade. A morosidade é, sim, um ponto negativo lembrado em todas as capitais brasileiras em que o ICJ foi medido, mas o levantamento mostrou pouca variação nas notas atribuídas pela população nos quesitos tempo e custos do acesso à Justiça.
Qual seria, então, o fator a explicar a queda na confiança registrada no estudo da FGV? Tanto para a coordenadora da sondagem, Luciana Gross Cunha, quanto para o presidente da Associação dos Magistrados do Paraná, Miguel Kfouri Neto, a resposta está em um certo paradoxo. São os avanços que estão contribuindo para a queda do conceito da Justiça entre a população. Como já registramos neste espaço, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vem trabalhando com afinco não apenas para fiscalizar o andamento dos processos, mas também para apurar casos de nepotismo e corrupção. O CNJ tem atuado também em uma área em que, tradicionalmente, o Executivo e o Legislativo é que costumam ser mais cobrados: a responsabilidade com o uso do dinheiro público. Numa das inspeções do Conselho descobriu-se, por exemplo, que o Tribunal de Justiça do Espírito Santo havia contratado os serviços de uma consultoria para avaliar a qualidade do café consumido pelos desembargadores capixabas.
Com pouca fiscalização e com uma seleção de quadros que não passa pelo processo eleitoral, como nos outros dois poderes, a Justiça costuma ficar naturalmente poupada da análise pública.
O CNJ, criado em dezembro de 2004 para aperfeiçoar o serviço público de prestação jurisdicional foi o ponto de partida para a mudança dessa realidade transformada também pela maior atenção dada pela mídia ao Judiciário.
Para Luciana, além das ações do Conselho em tribunais de todo o Brasil, a população tem sido fortemente impactada pelas decisões que impedem a livre expressão, como a que atingiu o jornal O Estado de S. Paulo justamente no início do terceiro trimestre deste ano período em que a queda de confiança popular na Justiça foi registrada. No dia 31 de julho, o desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, determinou que o jornal não poderia divulgar informações de uma operação deflagrada pela Polícia Federal para investigar possíveis irregularidades cometidas pelo empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP).
Embora o cerceamento da liberdade de imprensa seja o aspecto mais lembrado do caso, é preciso ressaltar que o impasse decorre de um erro ainda mais grave. A liminar da mordaça foi justificada como forma de proteger a privacidade da família Sarney nas conversas telefônicas gravadas pela PF em que seria possível identificar o envolvimento do presidente do Senado na negociação de uma vaga de emprego para o ex-namorado de sua neta, através de ato secreto. Nessa situação em particular, porém, o legítimo direito à privacidade acabou por sufocar um bem maior: o direito de todos os brasileiros a uma informação relevante, que diz respeito à administração pública, a ser regida, entre outros, pelo princípio da publicidade.
Não é difícil concluir que tamanha falha no sopesamento de dois nobres valores a proteção da privacidade e o interesse público tenha arranhado a imagem da Justiça. Uma situação que, aliás, se mantém até agora, pois, embora a proximidade da família Sarney e a antecipação do voto tenham levado ao afastamento do desembargador do caso, a decisão propriamente dita se mantém. Felizmente, tais situações já não passam despercebidas aos olhos dos brasileiros.
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