O ensaísta espanhol Fernando Savater – que virá ao Brasil em outubro deste ano para participar do ciclo de debates “Fronteiras do Pensamento” – acaba de abrir mais uma polêmica. Elas não lhe faltam no currículo. Vive em meio ao fogo cruzado da direita e da esquerda em seu país. Tal como um Salman Rushdie da terra de Cervantes, precisou de escolta, por dez anos, ameaçado pelo partido separatista basco, o ETA. Desta vez, Savater deu um chute na canela dos que se ocupam de lamentar a juventude que temos, a quem acusa de absorta nas delícias do mundo virtual, sem de fato trabalhar por ela. De sua parte, diz, tem se ocupado em escrever para os jovens, mais do que em perder tempo criticando-os. De outra feita, sugere que abracemos o papel de lhes repassar o caldo da cultura, pois essa é a regra da vida.
Sobra razão ao filósofo. Não haverá futuro, nem civilização, sem o repasse do patrimônio do tempo. E esse objetivo não se alcança apenas com atitudes individuais de benevolência com os jovens, ou com tapinhas nas costas. É preciso uma ação política. Uma sociedade organizada em torno dos jovens. É ajustado o termo usado por parcelas do movimento social – em especial pela educadora Miriam Abramovay: “juventudes” e não juventude. No plural, a semântica nos leva a considerar que jovem não é massa, que não se resume a “pessoas em transição”, mas pessoas inteiras, diversas, que merecem ser conhecidas e reconhecidas nas suas experiências. É um mundo, não uma mera fase, e esse é o ponto. Mais de 60 anos depois que a ideia de “juventude” ganhou força, como um legado mais ou menos doloroso do pós-Segunda Guerra, ainda vigora uma compreensão torpe do alcance do termo.
Estudos relevantes costumam contradizer o senso comum no que se refere às “juventudes”
A ausência de pesquisas sobre juventude, deve-se dizer, reflete esse hiato. Difícil alguém que tenha se debruçado sobre o tema e que não se surpreendeu com a ausência de dados. Claro – pesquisas são caras. E pesquisas sobre jovens perdem a validade num curto espaço de tempo. Uma rápida aferição nos anais dos grandes institutos é o bastante para comprovar que há um movimento de abandono do tema. Pesquisas importantes como as da Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana (Ritla), criadora do Índice de Desenvolvimento juvenil (IDJ); do Ipea; do DataFolha; ou a realizada pela UFPR, no fim dos anos 1990, não ganharam novas edições.
Impera, sobretudo, a morosidade que o Brasil demonstra em abraçar a questão, de fato prioritária. Haverá quem diga que todo o sistema de educação, ora, existe para as crianças e os jovens, o que dilui essa discussão. Mas seria um relativismo – toda política tem de ser clara; e governos, igrejas, ONGs, imprensa e escolas deveriam ter um programa claro de atuação com a juventude.
De resto, vale lembrar que estudos relevantes costumam contradizer o senso comum no que se refere às “juventudes”. É o caso do estudo recém-publicado pelo American Press Institute e pela Associated Press. Chamado “Como a geração do milênio consome notícias”, entrevistou mais de mil jovens entre 18 e 34 anos, fora a parte qualitativa – e, o mais importante, não reforçou o que todo mundo “pensa que sabe”: 85% reconhecem a importância do noticiário; 69% o acompanham todos os dias; 40% se informam mais de uma vez a cada dia, mesma proporção dos que se mostram dispostos a pagar pelo acesso a sites ou aplicativos de notícias. Igualmente surpreendente é a abertura dos entrevistados para as opiniões divergentes das suas – 86% afirmam garantir acesso a quem pensa diferente.
Como de praxe nesses casos, paira a dúvida de que as pessoas aplicam filtros quando respondem a pesquisas de caráter cultural, superfaturando as respostas. Mas se deve ressaltar que o estudo visa investigar mentalidades, em paralelo às práticas. Reconhecer a importância de seguir o noticiário e de dialogar com divergentes é, por si, um grande ganho. Mais – a frequência de busca da notícia indica uma rapaziada menos alienada e ensimesmada do que se costuma imaginar.
Levando em consideração as provocações de Fernando Savater, a conversa não se resume a convencer os adultos de que devem ter os jovens em perspectiva. Os jovens não podem ser reduzidos à tabula rasa: eles estão mais abertos do que pensamos ao diálogo geracional e ao repasse do conhecimento. Falar com eles exige seguir a regra de qualquer conversa – deve-se calibrar os vocabulários para que os planetas de um e outro se encontrem em alguma órbita. É uma arte. E uma urgência.
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