Mesmo promovendo o espetáculo do crescimento da Esplanada dos Ministérios, ampliando de 23 para 37 (ao menos na conta mais recente) o número de pastas de primeiro escalão, Lula continua com dificuldade para fechar seu gabinete. Apenas alguns ministros tiveram seu nome anunciado, enquanto outras pastas seguem sem dono definido – algumas delas bastante importantes, como Saúde e Desenvolvimento Social. Entre as razões que estão travando a definição dos ministros está o insaciável apetite do partido de Lula: o PT considera que, tendo sido o vencedor do pleito de outubro, tem prioridade sobre tudo; aos demais cabem as sobras, a não ser no caso de camaradas ideológicos de longa data.
O caso do Ministério do Desenvolvimento Social é emblemático. É a pasta desejada pela senadora em fim de mandato Simone Tebet (MDB-MS), que, depois de derrotada no primeiro turno da eleição presidencial, entrou com força na campanha lulista. O presidente eleito segue fazendo acenos públicos à senadora, mas, nos bastidores, lideranças petistas trabalham para que o ministério não seja entregue a Tebet por uma razão muito simples: quem comandar o Desenvolvimento Social terá nas mãos o Bolsa Família, e o petismo teme que isso catapulte a emedebista, fazendo dela um nome viável para 2026. Na Educação, o petismo torpedeou o nome de Izolda Cela, professora e governadora do Ceará, também em fim de mandato, para abrir caminho ao ex-governador e senador eleito (também pelo Ceará) Camilo Santana, que pertence ao PT – Izolda Cela está sem partido, depois de deixar o PDT em 2022.
O PT entendeu tudo; quem não entendeu nada foi quem “fez o L” esperando que Lula governasse com responsabilidade fiscal, que o petismo não tentasse avançar sobre as estatais, ou que o partido fosse entregar com desprendimento cargos importantes
Cada um desses episódios, aos quais se acrescentam as escolhas de petistas para os principais cargos da equipe econômica e ofensivas parlamentares como a mudança na Lei das Estatais, tem sido invariavelmente seguido por análises cujo Leitmotiv pode ser resumido na frase “o PT não entendeu que...”. Por esse raciocínio, o PT “não entendeu” que Bolsonaro foi derrotado não por Lula, mas por toda uma frente ampla que se uniu contra o “autoritarismo” ou o “fascismo”; o PT “não entendeu” que o país precisa de responsabilidade fiscal para crescer de forma sustentável; o PT “não entendeu” que as estatais precisam de regras claras de governança; e assim sucessivamente.
Ora, o PT está apenas sendo o PT e fazendo o que sempre fez. O PT entendeu tudo; quem não entendeu nada foi quem “fez o L” esperando que Lula governasse com responsabilidade fiscal, que o petismo não tentasse avançar sobre as estatais, que o partido fosse entregar com alegria e desprendimento, a partidos ou políticos com os quais a afinidade é meramente de ocasião, cargos importantes com acesso a fatias gordas do Orçamento. Essas pessoas – sejam políticos com mandato, líderes partidários, economistas influentes ou formadores de opinião – não entenderam que não passaram de inocentes úteis cuja serventia terminou às 18 horas de 30 de outubro de 2022; daquele momento em diante, tornaram-se fardos a tolerar em nome da tal “governabilidade”. Considerando que o PT está na vida pública do Brasil há 40 anos, e governou por quase 14 dos últimos 20 anos, ninguém pode se dizer exatamente surpreso com nada disso. Muito provavelmente, boa parte dos que “fizeram o L” não entendeu porque não quis entender.
Simone Tebet pode até conseguir, no fim das contas, o ministério que deseja – e ela vem dizendo a interlocutores que não se contentará com uma pasta “decorativa”. Mas, ainda que seu nome seja confirmado, é certo que o PT seguirá cobiçando o posto e articulará nos bastidores para derrubá-la na primeira oportunidade. Se (ou quando) isso ocorrer, será uma lição dura para todos aqueles que, seja por conveniência, seja por aversão (justificada ou não) a Jair Bolsonaro, abraçaram Lula e o PT apesar de todo o seu histórico: eles poderão continuar a fazer o “L”, mas desta vez de “ludibriados”.