Mais uma ação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) evidencia a distância entre o discurso e a prática do grupo. Na teoria, o movimento reivindica, para assentar seus integrantes, a distribuição de terras improdutivas. Nas ações, fica evidente o descaso com qualquer distinção entre áreas produtivas e improdutivas. É o que explica a invasão, no fim de setembro, da Fazenda Santo Henrique, localizada no interior paulista.
A área é dedicada ao cultivo da laranja. Por isso o grupo Cutrale, a quem pertence a propriedade, não teve dificuldade em obter a reintegração de posse. O MST não cedeu. Em vez disso, seus integrantes passaram os primeiros dias de outubro tratando de colher as frutas e, sem seguida, de destruir, com tratores, os milhares de pés de laranja da propriedade. Colonos foram expulsos e os imóveis pichados.
O quadro causa perplexidade. Ainda que se compreenda o método de invasão como tática reivindicatória método que, aliás, contraria os preceitos da Constituição Federal , fica difícil ver boa vontade do desrespeito à reintegração de posse. E os sinais de boa-fé submergem definitivamente diante do passo seguinte dado pelo grupo na escalada da truculência: afinal, como aceitar que aqueles que reivindicam o direito ao cultivo da terra o façam, paradoxalmente, pela eliminação de um pomar?
O MST nega sua própria bandeira com um gesto que não guarda nenhum ineditismo. No ano passado, uma estrada de ferro usada para o escoamento da produção da Vale do Rio Doce, em Minas Gerais, foi alvo de uma ocupação de 12 horas no início do mês de março. Integrantes de outro movimento que diz defender os sem-terra, a Via Campesina, depredaram, em 2006, um laboratório da Aracruz Celulose, no Rio Grande do Sul.
O laranjal da Cutrale, a ferrovia da Vale e o laboratório da Aracruz nada têm de improdutivos, mas nem por isso foram poupados. Fica claro que o movimento tem na causa da reforma agrária mais um pretexto que uma bandeira real.
Não há nenhuma dúvida sobre a legitimidade daqueles que, vítimas da desigualdade social que subsiste em nosso país, lutam pela terra. É justo que o governo atue para garantir meios necessários aos trabalhadores que efetivamente se dispõem a produzir na terra. E, num país livre, como é o Brasil, os movimentos sociais precisam de liberdade para agir, protestar e manifestar seus ideais. Esses direitos, porém, precisam ser exercidos com o respeito aos direitos dos demais brasileiros. A luta pela terra não pode ser negligenciada, mas precisa ser posta em perspectiva. Serão tão numerosas quanto dizem o MST e os grupos assemelhados às famílias com tradição e conhecimento de cultivo da terra à espera da reforma agrária? A realidade está a indicar que esse número é resultado do trabalho incessante apoiado pela ação e pela omissão dos governos de recrutar novos militantes para as causas políticas dos movimentos que dizem defender os sem-terra.
Espera-se que o governo em geral leniente diante do esbulho praticado pelo MST não venha a usar o rolo compressor para impedir o andamento da CPI que se articula no Senado para apurar a origem dos recursos utilizados pelo movimento. Que não repita o lamentável episódio registrado na Câmara dos Deputados, onde 42 parlamentares foram compelidos a retirar sua assinatura da lista que propunha a investigação parlamentar. É inaceitável que o país fique sem reação diante das invasões e do esbulho, táticas que só ganham força porque a punição não vem.
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