“Espetáculo deplorável” e “show pirotécnico” foram apenas algumas das expressões usadas pelo ex-presidente Lula e pela esquerda em geral para descrever a entrevista coletiva, na quarta-feira, em que a força-tarefa da Lava Jato apresentou a denúncia contra Lula, a ex-primeira-dama Marisa Letícia e outras pessoas, envolvendo a troca de favores relativa à reforma e mobília de um triplex no litoral paulista e ao armazenamento de bens de Lula. Essa reação era absolutamente previsível. Para desmoralizar os procuradores, a esquerda recorreu até à ridicularização dos slides da apresentação, considerados “amadores”, e à mentira pura e simples, com a invenção da frase “não temos provas, mas temos convicções”, jamais dita em momento algum da coletiva.
Mas, fraudes e piadinhas à parte, o impacto do que a força-tarefa apresentou foi tão grande que mesmo pessoas sem nenhum alinhamento ideológico com a esquerda também se perguntaram: era necessário? Por que, por exemplo, gastar tanto tempo de apresentação detalhando todo o esquema do petrolão se a denúncia era bem mais específica? As expressões usadas para descrever a participação de Lula não teriam sido duras demais? Faltou sobriedade aos procuradores em um momento tão importante? Questões legítimas, ainda mais quando motivadas pelo desejo de sucesso de uma operação como a Lava Jato.
Não há por que repreender um trabalho que primou pelo didatismo
E podemos responder que não nos parece que tenha havido excesso algum. A começar pela questão meramente processual, a que os próprios procuradores já responderam na entrevista coletiva. A denúncia atual se restringe ao caso do triplex e ao armazenamento, mas é óbvio que o esquema é imensamente maior. Se a força-tarefa não entregou ao juiz Sergio Moro o conjunto completo, isso se deve a dois fatores.
Um deles é que parte da investigação do petrolão não está sob os cuidados dos policiais federais e procuradores de Curitiba: é trabalho da Procuradoria-Geral da República, pois alguns dos crimes teriam sido cometidos em conjunto com suspeitos que detêm foro privilegiado e que precisam ser denunciados ao Supremo Tribunal Federal – um trabalho que, infelizmente, não tem corrido com a velocidade necessária. Além disso, não há necessidade alguma de que um suspeito seja acusado simultaneamente de todos os crimes que a investigação vá descobrindo. Vários dos outros réus e condenados da Lava Jato respondem por mais de uma acusação, em processos abertos em ocasiões distintas. A força-tarefa julgou que já havia conjunto probatório robusto o suficiente para a apresentação de uma denúncia. O mesmo pode ocorrer com outras suspeitas mais adiante.
Isso nos leva ao raciocínio por trás da apresentação do petrolão como um todo. Só se compreendem os favores que teriam sido prestados a Lula pela empreiteira OAS dentro do contexto global da pilhagem do Estado tramada durante o governo do PT. Fora da “propinocracia”, o que teríamos seria um mero favorecimento pessoal; dentro da “propinocracia”, esse favorecimento assume a dimensão correta como a recompensa ao chefe, ao homem que tornara possível a montagem de um esquema muito mais amplo destinado a fraudar a democracia garantindo a fidelidade de outros partidos e irrigar o projeto de poder da cúpula petista, enquanto um clube de empresários dividia entre si as megaobras da maior estatal brasileira. A força-tarefa da Lava Jato explicou com maestria essas intrincadas relações.
Ainda que o juiz – qualquer juiz – não deva jamais se deixar influenciar pela opinião pública, o país tinha todo o direito de conhecer as entranhas da “propinocracia”. E a força-tarefa jamais conseguiria isso usando apenas um jargão técnico. Não há por que repreender um trabalho que primou pelo didatismo, inclusive nas expressões usadas, por mais fortes que soem. A força-tarefa revelou, de uma forma que qualquer brasileiro consegue entender, o que muitos queriam manter escondido, e é isso que incomoda tanto.
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