O presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, em cerimônia para marcar os 75 anos do Tribunal de Contas do Pará, no último dia 10, fez uma afirmação tremendamente necessária e outra bastante imprecisa em relação aos dois maiores escândalos de corrupção do passado recente do Brasil, o mensalão e o petrolão. “Tive oportunidade, nesses dez anos, de julgar casos de corrupção. Ninguém pode esquecer o que ocorreu no Brasil, no mensalão, na Lava Jato, muito embora tenha havido uma anulação formal, mas aqueles R$ 50 milhões das malas eram verdadeiros, não eram notas americanas falsificadas (...) O gerente que trabalhava na Petrobras devolveu US$ 98 milhões e confessou que tinha efetivamente assim agido”, disse Fux, referindo-se respectivamente a Geddel Vieira Lima e a Pedro Barusco.
A corrupção existiu, diz Fux, e ele poderia até ter ido mais longe, como foram alguns de seus colegas de Supremo que deram votos certeiros pela condenação dos mensaleiros. Celso de Mello, por exemplo, falou em “utilização criminosa do aparelho de Estado e a utilização ilícita do aparato governamental”, e Ayres Britto definiu o mensalão como como “um projeto de poder que vai muito além de um quadriênio quadruplicado, muito mais de continuidade administrativa. É continuísmo governamental. Golpe, portanto, nesse conteúdo da democracia, que é o republicanismo”. Até mesmo Gilmar Mendes, antes de se tornar um inimigo visceral da Lava Jato, descreveu o petrolão como um “filhote maior” do mensalão em 2016, ecoando o que o então procurador Deltan Dallagnol dissera em 2015, quando da apresentação de denúncia contra José Dirceu, ao afirmar que “mensalão e petrolão são um só”.
Não há como afirmar que alguma formalidade tenha sido descumprida nas condenações proferidas em primeira e segunda instâncias da Justiça. Para poder anular condenações da Lava Jato, o Supremo precisou inventar, pressupor e desdizer
Os órgãos responsáveis por investigar esses dois golpes na democracia conseguiram levantar um robustíssimo conjunto probatório, não apenas por meio de delações, mas de farta documentação, sem falar de flagrantes como os que envolveram Geddel Vieira Lima. O petismo, no entanto, jamais reconheceu seus erros – pelo contrário, aclamou os protagonistas dos escândalos como “guerreiros do povo brasileiro” em inúmeras ocasiões, e mais recentemente vem apelando para fake news como a afirmação falsa, divulgada pelos advogados de Lula, de que o ex-presidente teria sido inocentado nos processos da Lava Jato, quando no máximo ele teve as ações anuladas ou as denúncias rejeitadas por prescrição ou falta de provas, tornadas inválidas pelo Supremo.
Isso nos traz à parte imprecisa da afirmação de Fux, para quem as anulações foram motivadas por “questões formais”. Não há como afirmar que alguma formalidade tenha sido descumprida nas condenações proferidas em primeira e segunda instâncias da Justiça. Um bom exemplo disso é o dos processos em que delatores e delatados dividiram o banco dos réus. O Código de Processo Penal não previa prazos diferentes para a entrega de alegações finais, mas, nos casos em que a defesa dos delatores trouxe elementos novos nessa etapa derradeira do julgamento, o então juiz Sergio Moro efetivamente concedeu prazo adicional à defesa dos delatados. Mesmo assim, vários julgamentos foram anulados pelo Supremo sob a alegação de “cerceamento de defesa”. Por quê? Porque os ministros decidiram criar uma regra, em nome do direito à ampla defesa, e a fizeram retroagir de maneira totalmente formalista para desfazer julgamentos em que não houve desrespeito ao CPP, e nem mesmo prejuízo comprovado à defesa dos réus delatados.
O fato é que, para poder anular condenações da Lava Jato, o Supremo precisou inventar, pressupor e desdizer. Inventou no caso das alegações finais de réus delatores, como também inventou uma absurda suspeição da parte de Moro ao julgar Lula, transformando atos perfeitamente legais em irregularidades. Pressupôs quando tratou como inegavelmente verdadeiros supostos diálogos entre Moro e Dallagnol que perícia nenhuma conseguiu atestar como reais. Desdisse quando Edson Fachin resolveu que Lula não poderia ter sido julgado em Curitiba, embora o STF já houvesse decidido em ocasiões anteriores que a capital paranaense era o foro adequado; e quando Cármen Lúcia mudou inexplicavelmente um voto anterior sem nenhum elemento novo que o justificasse, formando a maioria pela suspeição de Moro. Nada disso tem relação com qualquer suposto erro formal cometido pela força-tarefa do MPF ou pelos juízes (não apenas Moro, é preciso lembrar) que condenaram os réus da Lava Jato.
Como já afirmamos inúmeras vezes, não nos cabe avaliar intenções ou entrar na mente dos ministros para saber se eles pretendiam, de caso pensado, torcer a lei e os códigos para livrar condenados, ou se estavam fazendo o que consideravam genuinamente acertado em seus votos. Mas podemos avaliar resultados, e estes são inegáveis: impunidade generalizada e a destruição do bom trabalho feito pela Lava Jato. O conjunto probatório levantado pela operação, mesmo que já não possa ser usado em um tribunal, está eternizado ao menos como documento histórico, para que o Brasil jamais se esqueça: como bem lembrou Fux, neste trecho extremamente feliz de seu discurso, o mensalão e o petrolão existiram, sim – e os protagonistas desses dois ataques à democracia brasileira estão por aí, recebendo a aclamação dos militantes, sendo chamados de “democratas” por boa parte dos formadores de opinião, e pedindo seu voto.
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