O ex-procurador-geral da República, Augusto Aras.| Foto: José Cruz/Agência Brasil
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É difícil defender a existência de um legado positivo de Augusto Aras, que deixou o comando da Procuradoria-Geral da República (PGR) na última terça-feira (26). Sua saída da PGR não deixará saudade e se servir de algum exemplo, será o de como não deve ser um procurador da República, chefe máximo do Ministério Público, que, via de regra, deveria atuar com independência e zelo pela defesa da ordem jurídica.

Em um de seus últimos eventos oficiais, no dia 21 de setembro durante sessão do Supremo Tribunal Federal (STF), o próprio Aras defendeu que o MP não deve “protagonizar, ou mesmo apoiar, projetos partidários” e que sua missão é a de “garantir, dentro da ordem jurídica, que se realize justiça, liberdade, igualdade e dignidade da pessoa humana”. Ora, só faltou colocar essa diretriz em prática.

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Tivemos apenas uma apática e servil atuação, movida mais pelo interesse em agradar do que pelo zelo com a constitucionalidade e o ordenamento jurídico.

O que se viu na atuação do procurador-geral, nomeado por Jair Bolsonaro em 2019 e reconduzido ao cargo também pelo ex-presidente em 2021, foi uma gestão autodestrutiva do MP, em especial no que se refere à estrutura de combate à corrupção. O exemplo máximo disso foi a finalização da força-tarefa da Operação Lava Jato, que tanto contribuiu para arrefecer a sanha dos corruptos. Alvo de inúmeras críticas de Aras, a força-tarefa acabou extinta pelo procurador em fevereiro de 2021, numa decisão bem conveniente aos maus políticos, que chiavam em peso contra a operação.

Por mais que tivesse ressalvas pessoais à operação ou à equipe que a formava, como procurador-geral, Aras deveria defender o trabalho da força-tarefa e de seus membros, mas o que fez foi alimentar as especulações vazias dos detratores, desmoralizando e deslegitimando os esforços hercúleos da Lava Jato no combate à corrupção. Não foi à toa que uma das últimas ações de Aras foi justamente em relação à Lava Jato: no início de setembro, após a decisão do ministro do STF Dias Toffoli de anular as provas obtidas no acordo de leniência da construtora Odebrecht com a Lava Jato, o dever da PGR seria o de questionar a decisão de Toffoli, entrando com um recurso contra ela. Mas Aras preferiu deixar de agir, concordando com a anulação de provas que comprovam inúmeros crimes e ilícitos cometidos por políticos e empreiteiras. Péssima para o país, a atuação em relação à Lava Jato só rendeu pontos entre a classe dos maus políticos.

Nos casos em que a Corte age de forma imprudente ou comete excessos, cabe à PGR se contrapor. Não foi o que fez Aras.

Talvez tenha sido esse, aliás, o maior erro de Aras: trabalhar para obter aprovação, sujeitando suas ações aos interesses volúveis de quem ele queria agradar, colocando de lado a independência que seria indispensável ao cargo. Aras nunca escondeu suas aspirações em galgar cargos ainda mais altos. Seu alvo era o STF – seu nome foi citado pelo então presidente Jair Bolsonaro como um candidato para uma eventual vaga na Corte – e talvez por isso seus embates com o Supremo foram tão pífios. Na maioria das vezes, Aras e o Supremo tiveram uma relação de troca de afagos.

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É claro que é possível – é preferível, aliás – que o procurador-geral e a Corte Suprema tenham uma relação amistosa, mas isso não pode significar anuência irrestrita da PGR aos ditames do STF. Nos casos em que a Corte age de forma imprudente ou comete excessos, cabe à PGR se contrapor. Não foi o que fez Aras.

Lembremos que Aras considerou o abusivo Inquérito das Fake News como um caso de “atuação legítima do Supremo para apuração de fatos supostamente criminosos aptos a lesionar o funcionamento da Corte" e não viu nada de errado num processo onde o STF é ao mesmo tempo vítima, acusador e juiz. Foi Aras também que deu início a outra aberração jurídica, o inquérito dos “atos antidemocráticos”, ao pedir a abertura da investigação após as manifestações de 19 de abril de 2020.

Na atuação da PGR em relação ao 8 de janeiro, a condução de Aras também foi desastrosa. Coube à PGR apresentar as denúncias contra as centenas de pessoas presas durante a invasão e depredação em Brasília e posteriormente os acampado em frente dos quarteis da capital federal. O que se viu, como já mencionamos, foram denúncias genéricas, com texto idêntico e que não trazem a “individualização da conduta” de cada acusado, o que seria imprescindível para que cada um possa ser punido de acordo com a gravidade de seus atos.

Como dissemos, se Aras pode servir de exemplo, deve ser o de como um procurador-geral não deve se portar. Tivemos apenas uma apática e servil atuação, movida mais pelo interesse em agradar do que pelo zelo com a constitucionalidade e o ordenamento jurídico.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
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