A escalada da tensão que começou com o teste nuclear anunciado pela "ditadura proletária" da Coreia do Norte, na segunda-feira, leva a comunidade internacional à preocupação com a ameaça atômica. De uma hora para a outra, ressurgiu no horizonte o sombrio espectro do mundo bipolar, que parecia sucumbido para sempre, junto com o comunismo, diante da derrocada da União Soviética e de seus países satélites, no fim dos anos de 1980.
No epicentro desta crise, está o ditador Kim Jong-Il. Homem de rigorosa formação militar e de temperamento forte, no poder desde 1994, o ditador substituiu o seu pai, Kim Il-sung, fundador da República Popular Democrática da Coreia, no final da década de 1940. Com a economia dirigida por um partido único, a exemplo do que ocorria na antiga URSS, os cidadãos norte-coreanos vivem, através de décadas, uma situação de extrema penúria, num ambiente político em que prevalece a militarização, o constante terror e graves atos de violação aos direitos humanos.
A Coreia do Norte havia assinado, em 1999, com os Estados Unidos, um acordo pelo qual o país abriria mão do seu programa nuclear em troca do envio de combustível. Entretanto, sob a administração de George W. Bush, Washington descumpriu sua parte do acordo e passou a listar a Coreia do Norte entre as nações do chamado "eixo do mal". Tais fatos, combinados com um crescimento das hostilidades da potência norte-americana, levaram a Coreia do Norte a acelerar seu programa nuclear.
Desde então, diante de informações sobre diversas ações nucleares ofensivas, o país vem sofrendo sanções do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que aponta a política norte-coreana como uma ameaça à paz mundial. Até a China, principal aliada da Coreia do Norte, apoiou a implantação das sanções que vigoram desde 2006.
Ontem, as tropas da Coreia do Sul, próximas às águas fronteiriças com a Coreia do Norte, receberam aviso de alerta máximo depois que o regime de Pyongyang aumentou o tom das ameaças. Arrisca-se, com isso, o armistício que encerrou a Guerra das Coréias, em 1953.
Alguns analistas consideram que os norte-coreanos buscam pressionar Washington e o governo de Barack Obama a ouvi-los, tanto para exigir o fim das sanções econômicas quanto para obter o reconhecimento diplomático em um possível processo de desnuclearização. O teste atômico seria, por essa tese, uma tentativa desesperada de chamar a atenção da comunidade internacional.
Pesa contra essa teoria o fato de que a "abertura" tenha sido sempre uma política desprezada por Kim Jong-Il, para quem o regime basta a si mesmo.
Há quem diga, pois, que o teste é uma tentativa de demonstrar força e de dizer que o resto do mundo não deve se meter onde não é chamado. De fato, com a saúde abalada por um derrame, o ditador tenta manter firmes as rédeas de seu próprio processo sucessório. Sem parâmetros determinados, a sucessão na Coreia do Norte também desperta preocupação no mundo todo. Aparentemente, ele procura usar os testes balísticos e nucleares para se fortalecer, conquistar o apoio dos militares e dar as cartas nesse processo. Há indicações de que o preferido do ditador seja o filho mais novo, Kim Jong-un, de 24 anos.
Prova de força ou desastroso convite ao diálogo. Eis as hipóteses a que podem explicar o teste nuclear norte-coreano. Certo é que o ditador não tem cacife para sustentar, até o fim, uma escalada militar dessa natureza sem correr o risco de ser esmagado pelas forças do Ocidente, com apoio da China, da Rússia e do Japão.
A Coreia do Norte não é o único país do mundo a ter sua ambição armamentista questionada. Nesse caso também enquadram-se Paquistão, Índia e o temível Irã. Mas algumas peculiaridades cercam o caso coreano. A despeito da fome que grassa no país, o governo de Pyongyang mantém o terceiro maior exército do planeta. A aposta do país na "solução" militar é nítida. Assim, se o regime não realiza testes nucleares com mais frequência e de maior alcance isso se dá pelas limitações associadas ao isolamento político-econômico. A obtenção de urânio não é simples nem barata.
Mas é o limite extremo a que chegou o isolamento que melhor explica a inexistência do autolimite norte-coreano. Embora as condenações diplomáticas ao teste de segunda-feira tenham sido intensas, não há mais sanções a serem aplicadas. Ilhados numa época em que as nações vivem a dor e a delícia da globalização, o ditador e seus seguidores não têm muito mais a perder no jogo político internacional.
O que, na prática, Pyongyang vai alcançar com todo esse belicismo insano, o mundo ainda não sabe. A esperança de diálogo deposita-se menos na mudança de rumo do governo que no apelo interno da fome. De todo o modo, fica claro que na Coréia do Norte ou no Irã as forças que defendem a paz, sob a coordenação da ONU, precisam usar de todos os meios, diplomáticos e militares, para conter a escalada nuclear e garantir a estabilidade mundial.