Quando ao ativismo judicial e à vontade de legislar sem ter sido eleito para tal se junta o desprezo pela colegialidade e pelas regras da suprema corte, o resultado raramente é bom – que o digam aqueles que ainda tinham a esperança de ver as estatais mantendo níveis de boa governança sob a administração petista. O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, não quis aguardar a conclusão de um julgamento sobre trechos da Lei da Estatais e, por meio de uma liminar, realizou o sonho de Lula e do PT: derrubou a proibição de que ministros e secretários estaduais ou municipais sejam indicados para conselhos de administração e diretorias das estatais, e acabou com a quarentena de três anos para que dirigentes partidários ou de campanhas eleitorais assumam esses mesmos cargos.
Ainda no fim do ano passado, o então governo eleito havia conseguido que a Câmara dos Deputados relaxasse as regras da Lei das Estatais por meio de uma tramitação-relâmpago, mas o movimento teve repercussão tão ruim que o Senado freou o processo. Fiel ao seu modus operandi de levar para o tapetão tudo o que não consegue pela via normal do parlamento, a esquerda, então, acionou o STF. A ADI 7.331, proposta pelo PCdoB, pedia exatamente aquilo que o Congresso estava negando a Lula, e caiu nas mãos de Lewandowski – aquele mesmo que, recentemente, elogiara o MST e, num passado não muito distante, inventou regras inexistentes na Constituição para dificultar privatizações. A ação, em vez de ser recusada por inépcia, por se tratar de tema que compete ao Legislativo, foi para o plenário virtual na sexta-feira, 10 de março, com o voto de Lewandowski favorável à possibilidade de indicações políticas nas estatais. No dia seguinte, o ministro André Mendonça pediu vista. Na noite de quinta-feira, dia 16, veio a liminar.
Estabelecer critérios para a ocupação de cargos nas estruturas da administração pública, inclusive das estatais, é função do Poder Legislativo, e as restrições previstas na Lei das Estatais são perfeitamente razoáveis
É necessário muito malabarismo jurídico para enxergar inconstitucionalidade nos critérios estabelecidos pelo legislador em 2016 – pelo contrário, eles não apenas se prestam a elevar o nível de governança das estatais, para que cumpram seu papel a contento, como respeitam os princípios da administração pública elencados no artigo 37 da Constituição. Argumentar que exista algum tipo de discriminação inconstitucional na Lei das Estatais é tão descabido quanto dizer que existe um “etarismo às avessas” quando a Constituição determina idades mínimas para ocupar cargos eletivos, ou que há uma discriminação injusta e desproporcional contra pobres corruptos condenados, impedidos de disputar eleições pela Lei da Ficha Limpa. Estabelecer critérios para a ocupação de cargos nas estruturas da administração pública, inclusive das estatais, é função do Poder Legislativo, e as restrições previstas na Lei das Estatais são perfeitamente razoáveis. Ninguém está falando de impedir nomeações por critérios de sexo, cor da pele ou religião, mas simplesmente de proteger as estatais do uso político ao privilegiar indicações técnicas.
Lewandowski, sem um pingo de constrangimento, ainda argumentou que “a alegação de que os dispositivos impugnados servem para reduzir o risco de captura da empresa estatal por interesses político partidários ou sindicais, fator supostamente responsável por alguns casos notórios de corrupção, não se sustenta”. É preciso perguntar em que planeta o ministro viveu nos últimos anos, para ignorar toda a pilhagem promovida nas estatais durante a primeira passagem do petismo pelo Planalto, entre 2003 e 2016, e que só foi possível graças a uma série de nomeações puramente políticas, o exato mal que a Lei das Estatais veio remediar, já que as legislações citadas pelo ministro em sua liminar – a Lei das S/A, de 1976; a Lei de Improbidade Administrativa, de 1992; e a Lei sobre Conflito de Interesses, de 2013 – não foram capazes de impedir o saque da Petrobras e de outras estatais. Quem critica a Lei das Estatais alegando uma abstrata “criminalização da política” ignora (ou quer ignorar) que políticos muito concretos cometeram crimes muito concretos antes que o Congresso, em resposta à indignação pública com a corrupção petista, resolvesse fazer algo.
Lewandowski, ao insistir no ativismo judicial e se equivocar tanto na forma (ao usar uma liminar para usurpar competências do Legislativo) quanto no conteúdo (ao alegar argumentos pífios para sua decisão), rebaixa o Supremo, fazendo da principal corte do país um mero “plano B” do governo para compensar sua fraqueza no Congresso; o STF, assim, continua a agir não como tribunal imparcial, mas como uma força política, apenas invertendo o sinal: se até 31 de dezembro de 2022 estava na oposição, agora pode ser contado na base aliada, reduzindo ainda mais as esperanças de que sejam ouvidos o apelo e o alerta de Luiz Fux contra o uso do STF para resolver controvérsias cujo lugar é o parlamento.
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