Em 12 de julho, o jornalista Glenn Greenwald era um dos convidados da Festa Literária Pirata das Editoras Independentes (Flipei), parte da programação paralela à Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), um dos principais eventos do gênero no Brasil. Mas, no horário marcado para o início de sua palestra, manifestantes tentaram impedi-lo de falar. Para isso, usaram um carro de som, lasers e rojões, que incendiaram uma árvore. Só a intervenção da polícia conseguiu garantir que Greenwald falasse. O site que o jornalista comanda, o The Intercept Brasil, vem publicando supostos diálogos atribuídos ao então juiz federal Sergio Moro, hoje ministro da Justiça; ao procurador Deltan Dallagnol, do Ministério Público Federal; e a outros membros da força-tarefa da Operação Lava Jato.
Poucos dias depois, a Feira do Livro de Jaraguá do Sul, em Santa Catarina, cancelou a participação da jornalista Miriam Leitão e seu marido, o sociólogo Sérgio Abranches, no evento, previsto para agosto. A decisão ocorreu em reação a um abaixo-assinado on-line em que, referindo-se à jornalista, crítica do governo de Jair Bolsonaro, os signatários afirmam que, “por seu [de Miriam] viés ideológico e posicionamento, a população jaraguaense repudia sua presença, requerendo, assim, que a mesma não se faça presente em evento tão importante em nossa cidade”. Além do abaixo-assinado, a organização do evento recebeu até mesmo ameaças de agressão física contra o casal.
Um grande teste para as convicções democráticas de cada um de nós é justamente a defesa dos direitos daqueles que discordam das nossas posições
Esse tipo de intimidação, vinda de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, merece todo o repúdio, sendo típica de aprendizes de ditadores que não suportam o pluralismo de ideias, marca de qualquer sociedade democrática saudável. Especificamente no caso de Greenwald, é preciso ressaltar que, ainda que os supostos diálogos tenham sido obtidos de forma flagrantemente ilegal, e ainda que haja dúvidas fundadas sobre a própria autenticidade do material, sua divulgação continua a ser um direito do Intercept, sempre que se trate de assunto de interesse público. Se já não há crime na publicação dos supostos diálogos por Greenwald, menos ainda há no caso de Miriam Leitão. Que a liberdade de expressão de ambos seja atacada desta forma é uma vergonha para o país, que a muito custo recuperou este direito após anos de censura e autoritarismo.
Mas, dito isto, também é preciso relembrar que, em muitos casos, especialmente na esquerda, a indignação contra o tratamento dado a Greenwald e Miriam tem um quê de seletivo. Afinal, esse tipo de agressão não tem nada de novo. Em fevereiro de 2013, a blogueira cubana Yoani Sánchez foi hostilizada por manifestantes de esquerda no Nordeste, também levando ao cancelamento de um evento do qual ela participaria. Em outubro daquele mesmo ano, na Festa Literária Internacional de Cachoeira (BA), a ação de militantes conseguiu suspender uma mesa-redonda da qual participavam o filósofo Luiz Felipe Pondé e o sociólogo Demétrio Magnoli, forçando, ainda, o cancelamento de outro debate dentro do mesmo evento. Em junho de 2017, a mesma Miriam Leitão que hoje é alvo de bolsonaristas foi agredida verbalmente antes, durante e depois de um voo de Brasília ao Rio de Janeiro, por petistas que retornavam do congresso nacional do partido, realizado na capital nacional. Em outubro do mesmo ano, a exibição de um documentário sobre o filósofo Olavo de Carvalho na Universidade Federal de Pernambuco terminou em pancadaria promovida por militantes de esquerda – meses antes, cineastas tentaram (mas não conseguiram) inviabilizar um festival de cinema, retirando seus filmes do evento em protesto contra a inclusão deste mesmo documentário.
Nossas convicções: Liberdade de expressão
Rodrigo Constantino: A liberdade de expressão ameaçada (9 de fevereiro de 2017)
Não há a menor diferença entre estes casos de 2013 e 2017 e os episódios de dias atrás. São todos manifestações de ódio à liberdade de expressão, tentativas de calar quem pensa de forma diferente. Mas haverá quem silencie sobre uns e critique outros. Pior ainda: haverá quem repudie uns enquanto aplaude e justifica outros – no caso da cubana Yoani, por exemplo, o editor de um site de esquerda chegou ao cúmulo de afirmar que, como não houve violência física propriamente dita, o protesto seria legítimo.
Defender a liberdade de expressão apenas para quem concorda conosco não é democracia, mas hipocrisia. Não é possível repudiar os ataques contra Yoani, Magnoli, Pondé, O Jardim das Aflições e a agressão petista contra Miriam Leitão, e ao mesmo tempo defender ou aceitar que se impeça Greenwald e a mesma Miriam de falar – e vice-versa. Excetuados os casos óbvios, como a apologia ao crime ou a promoção de ideias que violam claramente a dignidade humana, caso do racismo, o livre fluxo de ideias é uma conquista civilizatória que precisamos preservar com todo o esforço; e um grande teste para as convicções democráticas de cada um de nós, independentemente de posição político-partidária, é justamente a defesa dos direitos daqueles que discordam das nossas posições.
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