Fachada do TSE.| Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom / Agência Brasil / Arquivo
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Às 17 horas (pelo horário de Brasília) do dia 30 de outubro, as urnas se fecharam em todo o país e terminou o período eleitoral; acabou o tempo de fazer propaganda política e de criticar os adversários na tentativa de conquistar votos. Consequentemente, deveria terminar também a vigência das regras estabelecidas pela Justiça Eleitoral para esta campanha de 2022, que tinham o objetivo declarado de conter a epidemia de fake news que tomou conta do período eleitoral, mas que foram muito além da necessidade inegável de se conter a disseminação de informações factuais comprovadamente inverídicas a respeito dos candidatos. Neste momento, em que tanto se fala da necessidade de um “retorno à normalidade”, a maior urgência do país é restabelecer o respeito à liberdade de expressão da forma como ela sempre foi compreendida pela lei e pela jurisprudência brasileiras.

O combate à mentira factual, que deveria se pautar pelo que o ministro Alexandre de Moraes chamou de “intervenção mínima” ao tomar posse na presidência da corte eleitoral, acabou não tendo nada de mínimo. Em vez da ação pontual destinada a remover da propaganda eleitoral e das mídias sociais as informações factuais comprovadamente falsas, dezenas – talvez centenas – de cidadãos brasileiros tiveram tolhido o seu direito de se manifestar sobre qualquer tema, graças à exclusão de suas contas em mídias sociais, violando tanto a liberdade de expressão quanto o princípio da proporcionalidade. E esse tipo de intervenção desproporcional continua a ocorrer mesmo depois da realização do pleito, como acaba de acontecer com a deputada federal reeleita Carla Zambelli, que teve suas contas suspensas e foi proibida de criar novos perfis até a diplomação de Lula; e com Marcos Cintra, ex-secretário da Receita Federal e candidato a vice-presidente em 2022 na chapa encabeçada por Soraya Thronicke, que teve suspensa sua conta no Twitter após fazer questionamentos sobre os resultados de algumas seções eleitorais em que Jair Bolsonaro não recebeu nenhum voto.

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Os ministros que julgam ser possível trazer a paz e a normalização democrática por meio da restrição a opiniões legítimas se equivocam profundamente

Esta “intervenção nada mínima” é uma violação evidente dos princípios constitucionais, diametralmente oposta à democracia que se pretende construir no país. Não há democracia quando os cidadãos se veem em estado de constante insegurança sobre o que podem ou não dizer, e críticas ou perguntas que desagradem um político ou um juiz podem render um cala-boca (aquele que já havia morrido, nas palavras de Cármen Lúcia) na forma da proibição de qualquer manifestação em mídias sociais. Não há democracia quando conversas privadas sem qualquer espécie de conspiração ou incitação ao crime dão margem para quebras de sigilo e bloqueios de contas bancárias. Não há democracia quando um tribunal ressuscita a censura prévia. Muito do que foi feito ao longo deste período eleitoral fez do Brasil não um Estado Democrático de Direito, mas algo próximo de um Estado de exceção.

O dano que todas essas medidas causaram, no entanto, não tem sido percebido com clareza por boa parte dos brasileiros, especialmente formadores de opinião e integrantes da sociedade civil organizada, que ou estavam ideologicamente comprometidos com um dos lados da disputa ou, na melhor das hipóteses, direcionaram seu olhar exclusivamente para o problema das fake news e para a necessidade de contê-las, sem avaliar criteriosamente os meios que foram empregados para esse fim. Quem não tem o mesmo posicionamento político-ideológico daqueles que foram alvos das inúmeras restrições impostas pela Justiça Eleitoral vem demonstrando grande dificuldade de perceber o tamanho do problema em que o país se colocou. Mas o fato é que, objetivamente, o nível de repressão à liberdade de expressão adotado neste período eleitoral – censura, desmonetização, proibição de criação de perfis, proibição da divulgação de fatos sabidamente verdadeiros – nos colocou mais perto das nações autocráticas que das nações livres. Opiniões perfeitamente legítimas em um regime de liberdade foram banidas pelo aparato judicial brasileiro nas últimas semanas.

Se os fins já não justificavam os meios durante o período eleitoral, menos ainda o justificam agora que a votação e o período de campanha se encerraram. As proibições que foram e continuam sendo impostas pelos tribunais superiores não encontram amparo algum na lei brasileira. A Constituição e a liberdade de expressão por ela protegida não podem ser colocadas de lado nem em “situações excepcionalíssimas”, nem para dar lugar a “arcos de experimentação regulatória”, como afirmaram ministros do TSE em alguns julgamentos recentes. Os ministros que julgam ser possível trazer a paz e a normalização democrática por meio da restrição a opiniões legítimas se equivocam profundamente. Não haverá distensão possível se os tribunais superiores transformarem em precedentes e em jurisprudência decisões que contrariam toda a tradição ocidental de defesa da liberdade de expressão, tradição essa que jamais deveria ter sido abandonada e cuja retomada tem de ser encarada como prioridade número um de um país que se pretende democrático.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
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