A universidade é o local por excelência do debate e da exposição livre de ideias. Toda expressão legítima deveria ser amparada no espaço universitário, para que possa ser conhecida e cotejada com ideias opostas e críticas. No entanto, o que temos visto nos últimos anos foi a transformação da universidade – e de espaços similares, como eventos culturais e feiras literárias – em espaços de intolerância, com diversos casos em que pessoas tiveram sumariamente cassado seu direito de falar devido à gritaria de grupos que não hesitam em recorrer até mesmo à violência. A vítima mais recente deste espírito antidemocrático foi o ex-procurador da Lava Jato e ex-deputado federal Deltan Dallagnol.
Um evento intitulado “Voz e vez: a liberdade de expressão e o combate a corrupção”, com a participação de Dallagnol, havia sido anunciado para esta sexta-feira nas dependências do Setor de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR). No entanto, não foi o que ocorreu. Nos dias que antecederam o debate, estudantes se organizaram por aplicativos de mensagens com a intenção de impedir Dallagnol de falar. “Vamos unificados mostrar que fascista não tem vez”, afirmavam os militantes em mensagens que também chegaram ao conhecimento do ex-deputado e falavam em “expulsar o fascista da UFPR”.
É inegável que houve uma mobilização de militantes do movimento estudantil que tinham a intenção de recorrer à intimidação para que o evento não ocorresse, e essa estratégia até agora não recebeu o devido repúdio da UFPR
A universidade, por sua vez, tem afirmado que o evento não ocorreu por uma questão formal: até a quinta-feira, véspera do debate, ainda não havia um professor da instituição que tivesse assumido a responsabilidade pelo evento e se comprometesse a estar presente durante sua realização, o que é uma exigência da universidade. De acordo com a UFPR, o debate foi anunciado “sem qualquer autorização ou confirmação, por parte da Direção, de reserva do Salão Nobre ou de outra sala do Setor de Ciências Jurídicas”.
No entanto, o organizador da palestra de Dallagnol afirmou ter recebido um e-mail do Setor de Ciências Jurídicas afirmando que, mesmo se houvesse um professor responsável, o debate não seria autorizado “considerando o risco de tumulto e violência nas dependências do prédio histórico em virtude do evento” – outros alunos relataram ter recebido a mesma mensagem. E, no Instagram, o Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UFPR também deu a entender que a pressão dos militantes foi a causa do cancelamento: “Vitória! Mobilização do Movimento Estudantil da UFPR impede realização de palestra de Deltan Dallagnol no Prédio Histórico (...) após muita pressão do movimento estudantil, a direção do Setor de Ciências Jurídicas retirou a reserva do auditório e impediu a realização do evento”.
Suponhamos, por um momento, que o verdadeiro motivo para o cancelamento da palestra realmente fosse o não cumprimento de exigências formais. Ainda assim, é inegável que houve uma mobilização de militantes do movimento estudantil que tinham a intenção de recorrer à intimidação para que o evento não ocorresse. E por isso é incompreensível que, até o fim da tarde de sexta-feira, momento da publicação deste editorial, nem a UFPR, de forma institucional, nem o seu reitor, Ricardo Marcelo Fonseca, tenham vindo a público, seja por meio de nota, seja nas suas mídias sociais, para repudiar veementemente os métodos do DCE e afirmar que a gritaria e a violência para abafar a liberdade de expressão jamais serão toleradas nas dependências da universidade. O silêncio, aqui, é omissão vergonhosa que, no fim, valida os métodos dos militantes, os verdadeiros fascistas, já que o uso da força para impor as próprias ideias e para calar as vozes contrárias está muito longe de qualquer coisa que se diga “democrática”. Sem a condenação da UFPR e de sua cúpula, o DCE fica autorizado a seguir intimidando e ameaçando sempre que um desafeto da esquerda for convidado para falar na universidade.
Dallagnol se junta ao filósofo Luiz Felipe Pondé, ao sociólogo Demétrio Magnoli, à filóloga e blogueira cubana Yoani Sánchez, ao cineasta Josias Teófilo e aos jornalistas Miriam Leitão e Glenn Greenwald na lista de pessoas que a intolerância política impediu de se manifestar, ou cujas manifestações foram recebidas com violência física nos últimos anos – o que já seria um absurdo em qualquer lugar, mas o é ainda mais no ambiente da universidade e da cultura. É indigno do nome de “universitário” quem promove ou compactua com a repressão à liberdade de expressão e não aceita o contraditório, manchando a história secular de uma instituição erguida sobre o pilar da busca pelo conhecimento por meio da livre manifestação de ideias.
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