Os colombianos foram às urnas neste domingo (27) para escolher seu próximo presidente da República em um clima de polarização não muito diferente do que se vê nas democracias ocidentais, o que teve reflexos no alto comparecimento, comparado à média histórica: apesar de o voto não ser obrigatório no país, 53% dos votantes escolheram exercer seu direito. No cenário doméstico, a principal questão em jogo é o legado do atual presidente Juan Manuel Santos, o Acordo de Paz assinado em 2016 com a Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), a narcoguerrilha de inspiração marxista que agora é um partido e tenta se inserir na normalidade da vida institucional. Em um país que já contabiliza mais de 50 anos de guerra interna, centenas de milhares de mortos, deslocamentos forçados e atentados terroristas, não surpreende que seja assim.
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Nenhum dos candidatos atingiu a maioria dos votos neste pleito e, no próximo dia 17 de junho, os colombianos terão de escolher entre o centro-direitista Iván Duque e o esquerdista Gustavo Petro. Duque, que atingiu a marca dos 39,14% dos votos válidos, é candidato pelo Partido Centro Democrático e herdeiro político do ex-presidente Álvaro Uribe, o mais barulhento dos opositores de Santos e do acordo com as Farc. Petro, que teve 25,08% dos votos, foi guerrilheiro do Movimento 19 de Abril, que atuou na Colômbia entre os anos 1970 e 1990. A maioria dos analistas prevê a vitória de Iván Duque, mas contarão no resultado do próximo dia 17 a participação do eleitorado, que tende a ser mais alta no segundo turno, e a transferência de votos do terceiro colocado, o professor de matemática Sergio Fajardo, que tentou pintar sua candidatura como a opção centrista e obteve 23,73% dos votos.
O desafio diante dos colombianos é seguir na trilha do desenvolvimento com liberdade econômica e, ao mesmo tempo, caminhar em direção à paz
Para um país que permaneceu um bastião contra o avanço da esquerda irresponsável na América Latina durante a última década, não se pode negar que seria um retrocesso a chegada à presidência de Gustavo Petro e sua agenda estatizante, ainda que em linguagem moderna. Não por acaso, Petro teve uma passagem turbulenta pela prefeitura de Bogotá e não conseguiu sair vitorioso em seu reduto. Pior ainda, o candidato tem um histórico de afagos com o chavismo na Venezuela e só muito recentemente criticou a ditadura de Nicolás Maduro, embora em linguagem ambígua – que lembra muito a de Guilherme Boulos (Psol) no Brasil –, o que desperta legítimas suspeitas de suas reais simpatias político-ideológicas. Duque, por outro lado, investe numa plataforma liberal e de modernização do país.
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No entanto, o principal ponto de clivagem do eleitorado colombiano é o Acordo de Paz com as Farc. Negociado por quatro anos pelo atual presidente Juan Manuel Santos, o acordo foi rejeitado por 50,2% dos colombianos (38% votaram) num referendo em outubro de 2016, depois de intensa campanha do campo conservador, liderada pelo ex-presidente Álvaro Uribe. Um mês depois, o governo de Santos apresentou uma nova versão do acordo, ainda duramente criticada pelos conservadores, e a submeteu diretamente à aprovação do Congresso Nacional, onde tinha maioria. Os pontos centrais da discórdia, que continuam a aparecer na campanha eleitoral e que Duque promete rever, são as penas alternativas para ex-guerrilheiros condenados na Justiça Especial – algo que a população colombiana considera leve demais diante da gravidade dos crimes – e a elegibilidade de ex-combatentes para cargos políticos. O acordo garante, por oito anos, uma reserva de cadeiras no parlamento para membros das Farc.
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O acordo de paz assinado com as Farc, que rendeu o Nobel da Paz a Santos, mas derreteu-lhe a popularidade, foi reconhecido como o acordo possível por negociadores do governo, membros da guerrilha e por grande parte da comunidade internacional. O conflito civil na Colômbia é considerado um dos de mais difícil solução por diplomatas e negociadores independentes, seja pela extensão territorial, seja pela duração temporal e todos os rancores acumulados nestas décadas todas. Num cenário assim, os obstáculos são imensos e cada parte deve estar disposta a ceder um pouco. A consolidação do acordo, cujo sucesso pode ser um incentivo para que o grupo terrorista Exército de Libertação Nacional (ELN) venha a aderir a ele, é um passo que a sociedade colombiana precisa dar. Por isso, o desafio diante dos colombianos no próximo dia 17 é seguir na trilha do desenvolvimento com liberdade econômica e, ao mesmo tempo, caminhar em direção à paz. Essa não precisa ser uma escolha excludente.