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Editorial

O futuro da liberdade econômica no Brasil

Pandemia afeta a economia mundial
Lojas fechadas na rua 25 de Março, em São Paulo: comércio é um dos setores mais afetados pela pandemia. (Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)

Uma boa notícia no pior momento possível – esta é praticamente a única forma de encarar o resultado do Brasil na mais recente edição do Índice de Liberdade Econômica da Heritage Foundation, publicado no país em uma parceria da Gazeta do Povo com o Instituto Monte Castelo. Depois de 15 anos de declínio ininterrupto, o Brasil voltou a ganhar posições em 2019, de acordo com os dados divulgados na quarta-feira, passando do 153.º para o 144.º lugar – um desempenho ainda muito longe do ideal, mas que dava ideia de onde o Brasil poderia chegar se mantivesse o ritmo das reformas. A pandemia do coronavírus, no entanto, pode atrasar ou até reverter essa evolução.

O avanço de 1,8 ponto em uma escala que vai de zero (economias totalmente reprimidas) a 100 (economias totalmente livres) foi o 36.º maior entre os 180 países avaliados, mas os 53,7 pontos ainda colocam o país na condição de “majoritariamente não livre”. A Heritage Foundation, em seu relatório, destaca a aprovação da reforma da Previdência como o grande acontecimento de 2019 para o país, mas também seria preciso incluir a aprovação da Lei da Liberdade Econômica, que afrouxou a burocracia, especialmente para o pequeno e médio empreendedor. Dos 12 indicadores avaliados pela fundação, o Brasil avançou em apenas quatro, mas com força suficiente para puxar o indicador global para cima: integridade do governo (alta de 17,5 pontos), liberdade de negócios (2,6 pontos), liberdade monetária (1,7 ponto) e liberdade de investimento (10 pontos).

Não é simples reverter um movimento tão forte de expansão do gasto público e dos poderes governamentais como o que está ocorrendo agora

O grande nó para o avanço da liberdade econômica no país continua a ser a questão fiscal e o gasto governamental, dois critérios nos quais o Brasil regrediu em 2019, com deprimentes 4,6 pontos (novamente, em escala de zero a 100) no item “saúde fiscal”. Afinal, o país continua a colecionar déficits primários ano após ano, e mesmo antes do coronavírus já se estimava que 2020 não seria diferente, com um rombo ainda maior que o do ano passado, amenizado apenas pela entrada de receitas extraordinárias, como as do leilão do pré-sal.

E a pandemia tem tudo para terminar de destruir o que restava da saúde fiscal do país. Quando conseguiu do Congresso o reconhecimento do estado de calamidade pública, o governo ainda trabalhava com um cenário no qual o gasto adicional seria pouco e destinado apenas à saúde, com a maior parte das medidas econômicas consistindo em adiamento de impostos, antecipação de benefícios e novas linhas de crédito. À medida que o caos foi se instalando e ficou claro que a atividade econômica seria paralisada por tempo considerável, ficou clara a necessidade de colocar mais dinheiro público para garantir que empresas não quebrem e trabalhadores tenham como sustentar a si mesmos e suas famílias. Em 30 de março, relatório do Tesouro Nacional já projetava um déficit primário de R$ 400 bilhões neste ano.

Os gastos são necessários em circunstâncias extraordinárias, mas deixarão consequências duradouras. Como explicou à Gazeta do Povo o coordenador do Centro de Liberdade Econômica da Universidade Mackenzie, Vladimir Maciel, ainda sofremos as consequências do aumento do gasto público e do tamanho do Estado no pós-crise de 2008, quando a liberdade econômica no Brasil começou a regredir de forma mais drástica. E não nos esqueçamos de que nem naquela época se observou um ataque frontal à liberdade econômica da magnitude verificada agora, com a suspensão por decreto de diversas atividades. Só o que serve de consolo neste momento é o fato de que as medidas restritivas de agora são o resultado de uma situação excepcional, e não de uma ideologia intervencionista do poder público – especialmente quando falamos do governo federal, o mais comprometido com a liberdade econômica a ocupar o Palácio do Planalto nos últimos anos.

Por fim, a pandemia ainda impacta a própria agenda de reformas, que passou para o segundo plano: é altamente improvável que uma reforma tributária seja aprovada ainda no primeiro semestre, como se estimava no início do ano; quanto à reforma administrativa, nem chegou a ser enviada ao Congresso pelo governo, e talvez nem o seja enquanto durar o surto do coronavírus.

Não é simples reverter um movimento tão forte de expansão do gasto público e dos poderes governamentais como o que está ocorrendo agora. A economia global jamais será a mesma depois da pandemia em muitos aspectos, mas, do ponto de vista fiscal e legal, poderemos dar-nos por satisfeitos se o país for capaz de retornar ao esforço de ajuste e de desburocratização que vinha sendo empregado até semanas atrás, para poder continuar avançando de onde parou. Só essa normalização já consumirá todo o esforço que poderíamos ter devotado ao prosseguimento das reformas em 2020, se o mundo não tivesse sido engolido pelo caos.

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