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Durante a votação da manutenção de dezenas de vetos presidenciais – manutenção esta que custou a entrega de um lote de ministérios ao PMDB –, dias atrás, as atenções se dirigiram quase que única e exclusivamente aos vetos a projetos de lei que criavam gastos adicionais para o governo federal, como isenções e benefícios, regras para aposentadoria, reajuste dos servidores do Judiciário e a fórmula de cálculo das aposentadorias acima de um salário mínimo (estes últimos dois itens ainda estão na pauta). No entanto, o Congresso decidiu manter também alguns outros vetos saudáveis para a prática profissional no Brasil.

Um deles determinava que só poderia ser garçom quem tivesse registro profissional e dois anos de experiência. Outro restringia a profissão de decorador a portadores de diploma universitário dos cursos de Decoração, Arquitetura, Desenho Industrial, Artes Plásticas e outros similares, ou aos que, tendo o ensino médio completo, já trabalhavam na área por no mínimo cinco anos antes da publicação da lei. E um terceiro limitava o exercício da atividade de DJ (e trabalhos correlatos, como “produtor DJ” e “técnico de cabine de som DJ”) a quem tivesse certificado de curso profissionalizante na área e registro profissional.

Em todos os casos, a presidente Dilma Rousseff usou a mesma alegação: “A Constituição Federal, em seu art. 5.º, inciso XIII, assegura o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, cabendo a imposição de restrições apenas quando houver a possibilidade de ocorrer algum dano à sociedade”. De fato, diz o texto constitucional, no artigo que elenca direitos e liberdades individuais, que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”. Dilma poderia ter invocado, também, o inciso IV do artigo 1.º, que inclui “os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa” como fundamentos da República Federativa do Brasil; ou o artigo 170, segundo o qual a ordem econômica é “fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa”.

Dilma acertou com os vetos, mas os legisladores não desistiram de regular outras profissões

São vetos acertadíssimos, pois os projetos de lei em questão criavam uma reserva de mercado que potencialmente fecharia as portas a muitos indivíduos plenamente capazes de exercer as profissões em tela e que, por quaisquer circunstâncias, não tivessem acesso aos cursos ou demais exigências que se pretendia colocar. Não é razoável pretender que cidadãos com senso estético apurado, talento inato para o autodidatismo, facilidade de relacionamento interpessoal, raciocínio lógico desenvolvido, habilidade para trabalhos manuais ou intelectuais, ou qualquer outra qualidade necessária para determinado trabalho tenham vedado o seu acesso ao exercício profissional pela exigência de um diploma.

Isso não quer dizer que cursos de nível técnico ou superior não tenham sua importância. Uma boa grade curricular e um corpo docente dedicado podem potencializar os talentos que os indivíduos já possuem, ou ajudá-los a desenvolver qualidades que ainda estão em estágios embrionários. E, assim como os profissionais devem ter a liberdade para trabalhar na área em que desejam, empregadores e clientes também devem ter a liberdade de decidir contratar apenas aqueles que tenham qualificação formal, que funcionaria como um “selo de qualidade”. Mas seria descabido transformar o que deveria ser uma opção pessoal do empregador ou cliente em lei imposta a todo o país.

Este princípio, no entanto, tem suas exceções, e o próprio texto dos vetos presidenciais deixa isso claro ao afirmar que é possível impor restrições “quando houver a possibilidade de ocorrer algum dano à sociedade”. Aqui entra em jogo o conceito de bens indisponíveis, direitos indissociáveis da pessoa humana e nunca negociáveis, como a vida, a saúde, a integridade física e a liberdade. Quando a atividade profissional tem potencial de dano a algum desses bens, ficam justificadas restrições ao seu exercício, desde que observados os princípios da razoabilidade, da necessidade e da proporcionalidade. São casos específicos que merecem ser analisados individualmente, o que não é nosso objetivo no momento.

Dilma acertou com os vetos, mas os legisladores não desistiram de regular outras profissões. A Comissão de Assuntos Sociais do Senado aprovou, em agosto, a regulamentação das atividades de fotógrafo e detetive particular (ambas já receberam o aval da Câmara dos Deputados). Na última quarta-feira, o plenário do Senado também aprovou a regulamentação da profissão de designer, que segue para sanção ou veto presidencial. Em todos esses três casos, os projetos estipulam a exigência de curso superior ou técnico. Que Dilma possa seguir defendendo a liberdade de exercício profissional e que os vetos sirvam para estimular um honesto debate sobre que limites a essa liberdade são razoáveis ou desproporcionais.

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