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Ficou mais difícil – e mais estimulante – entender o uso que as pessoas fazem das cidades. Ainda que o senso comum indique que a população prefere os espaços fechados e seguros, não se deve ignorar que ocupar é próprio da cultura, o que leva a supor que, mesmo em condições adversas, homens e mulheres da urbe permanecem elegendo lugares e fazendo deles áreas significativas. São as topofilias. Podem não ser a praça da matriz, mas é certo que a ideia de praça da matriz foi transferida para outra região, mesmo que virtual, ainda que o hall de um condomínio ou um jardinete de miolo de quadra.

Em vez de afirmar que os espaços públicos foram abandonados, e com ele o homem público, deve-se considerar que os espaços se multiplicaram. Pulverizados, são ocupados por grupos menores, que os significam a sua maneira, pois é da vida e do homem. De resto, é preciso esforço para percebê-los, o que exige treino.

É mais cômodo lamentar o presente, anunciando a clausura e o isolamento como enrascadas em que o sujeito contemporâneo se meteu. Deve-se, sim, fazer a crítica dessa condição tribal, pois é inegável que traz perdas. Mas é contraproducente não investir nos novos terrenos criados pelas pessoas, nos quais trocam sentidos, palavras, informações e afeto. A cidade não é estática. Tem-se de bisbilhotar em que pontos o urbano persiste.

Entendido que não há "a praça", mas "praças" – e que debaixo dessa palavra cabe um mundo e não apenas um banco de madeira e uma cerca viva –, o próximo passo é sair a campo, observando, com impertinência, a realidade como paisagem, não como natureza morta. É preciso fazer perguntas às esquinas. Como dizia a coreógrafa alemã Pina Bausch, não importa saber como as pessoas se movem, mas por que elas se movem. Encontrados os significados, os novos lugares também serão encontrados.

Essa filosofia do espaço, contudo, não é assunto restrito a sociólogos, antropólogos, geógrafos e urbanistas. A discussão precisa estar na pauta dos gestores públicos, de modo que não operem num único sentido – o de garantir a chegada aos lugares, como se binários fossem a panaceia do mundo. É preciso que propiciem também o devaneio, para que a população não se limite ao ir e vir, estabelecendo novos pactos. É questão vital: sem esse envolvimento geográfico não se forma o cidadão gregário, interessado e participante.

Em miúdos, é urgente garantir espaços de sociabilidade, de forma que a cidade não morra por falta de ar. Do contrário, será tão cinzenta quanto a Carbonópolis descrita por Dickens, ao se debruçar sobre a miséria que vitimou a Londres de seu tempo. Não é tarefa para amadores. A falta de experiência em lidar com a nova ordem espacial provoca estragos. E não é leviano dizer que, grosso modo, a gestão pública mais mata espaços do que os promove.

Outro pecado que comete é o da grandiloquência, entendendo por espaço social apenas as áreas sujeitas a grandes investimentos. Servem de propaganda das gestões, mas não necessariamente são ocupadas. Existem, e funcionam, se forem resultado dos esforços públicos, mas também da eleição afetiva dos moradores. É uma conta conjunta. Mas também uma ciência. Sabe-se do peso da iluminação e das calçadas. Da influência do fluxo de automóveis. E, sobretudo, do valor dos pequenos espaços, ao alcance das mãos, como bem mostraram os colombianos, papas no assunto, ao salvarem pela simplicidade suas cidades dizimadas pelo tráfico.

Recentemente, a Gazeta do Povo publicou crônica sobre a vida que corre no entorno da "Banca de Revista do Bem", no bairro Hugo Lange. O entorno do local se tornou área de conversa e troca de informações. E também de segurança. Sempre tem gente na banquinha, garantia de que a escala humana da cidade está garantida. Os exemplos – tão heterodoxos quanto – se multiplicam. Inclusive em espaços tidos como casos perdidos, a exemplo dos lugares vigiados por câmeras e por muros. O desejo natural em se relacionar, trocar conhecimento e viver comunidade, por mais ameaçado que esteja pelo individualismo, tende a teimar. Ver onde e como isso acontece é a tarefa número um.

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