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| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

A divulgação do conteúdo da delação premiada de Eduardo Lopes de Souza, dono da construtora Valor, abalou o Palácio Iguaçu e lançou dúvidas sobre as pretensões políticas do governador Beto Richa. Mas, para além dos cálculos políticos que têm 2018 em mente, o esquema que tem sido desvendado pela Operação Quadro Negro mostra como a corrupção pode se aproveitar de brechas em processos que deveriam servir para que a população recebesse um serviço decente sem desperdício de dinheiro público.

As denúncias feitas por Souza são gravíssimas. O esquema propriamente dito já era conhecido dos investigadores e da sociedade paranaense: a Valor ganhava licitações oferecendo preços absurdamente baixos, que depois eram compensados com aditivos. As comunidades que precisavam das escolas jamais viram as obras concluídas, mas o dinheiro entrava na conta da construtora – a novidade está nas informações dadas por Souza sobre o destino desses recursos, repassados a políticos para abastecer campanhas eleitorais. Dinheiro vivo, entregue em mochilas e caixas de vinho, chegando a um total de R$ 17 milhões.

As comunidades que precisavam das escolas jamais viram as obras concluídas

O esquema assume especial gravidade porque, segundo o delator, uma das campanhas abastecidas com dinheiro desviado seria a do governador Beto Richa. Ao descrever os pagamentos, Souza cita personagens sempre próximos de Richa e já envolvidos em outros escândalos, como Luiz Abi, investigado pelas operações Voldemort e Publicano, e Ezequias Moreira, do caso da “sogra fantasma”, pelo qual o TJ-PR o condenou a uma pena pequena o suficiente para que ele fosse beneficiado pela prescrição.

A delação de Souza ainda não foi homologada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e o empreiteiro ainda tem de entregar material que comprove suas afirmações. Essas duas etapas são fundamentais para que se possa avançar na apuração de eventuais responsabilidades das pessoas citadas por Souza. Richa procurou desqualificar o delator, classificando as denúncias como “afirmações mentirosas de um criminoso que busca amenizar a sua pena”. Nisso, não se diferencia de nenhum outro acusado de irregularidades – Dilma Rousseff, por exemplo, disse que “não respeita delator”. Mas o que está em jogo aqui não é a personalidade de quem faz as denúncias – que os delatores o fazem para “amenizar sua pena” chega a ser óbvio –, e sim a veracidade daquilo que afirmam. E as informações de Eduardo Lopes de Souza são suficientemente graves para que mereçam a investigação mais detalhada possível.

Leia também:Você acredita em licitações? (artigo de Fernando Mânica, publicado em 4 de janeiro de 2017)

Ainda que no fim Richa saia inocentado – e, na ausência de novas informações e evidências, ainda seria possível alegar que o nome do governador tenha sido usado à sua revelia para a obtenção de vantagens ilícitas –, resta outra questão fundamental: como é que a Valor conseguiu vencer as licitações, em primeiro lugar? Antes de assinar os contratos com a Secretaria de Estado da Educação, o portfólio da empresa se resumia, basicamente, a obras na cidade de Bituruna, graças a concorrências que não exigiam a realização de trabalhos anteriores do mesmo gênero. Dali em diante, a Valor venceu licitações em outras cidades, sempre oferecendo grandes descontos para depois receber aditivos, e em alguns casos embolsando o valor total sem ter concluído as obras. É o que promotores do Ministério Público Estadual chamaram de “acervo técnico precário” nas ações civis públicas protocoladas em agosto deste ano.

Ou seja: os termos dos editais permitiam que empresas sem qualificação alguma pudessem participar – e vencer. Hoje, sabe-se que isso foi possível porque houve todo um direcionamento destinado a garantir o desvio de dinheiro público por meio da Valor, mas, ainda que tivesse havido boa-fé na elaboração das regras da licitação, ela seria absurdamente temerária ao baixar o nível de exigência e permitir que aventureiros entrassem na concorrência. Que órgãos de fiscalização e controle não tenham percebido isso – ou, pior, que tenham percebido e considerado de pouca importância – é assustador, o tipo de omissão inaceitável quando está em jogo o uso do dinheiro público, que, na melhor das hipóteses, acaba desperdiçado e, na pior, pura e simplesmente roubado.

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