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A crise financeira mundial deu vários sinais em 2007, explodiu em 2008 e se agravou em 2009, causou pesados prejuízos nos anos seguintes e deixou lições importantes, das quais algumas merecem ser lembradas para ajudar o mundo a não repetir os mesmos erros. Naquela época, a crise foi provocada por uma onda de insanidades financeiras na concessão de empréstimos imobiliários e operações de alto risco em derivativos, na casa dos trilhões de dólares, sobretudo nos Estados Unidos, sob a proteção da desregulamentação imprudente dos mercados financeiros. A crise se insinuou em agosto de 2007, quando o banco francês BNP Paribas impôs a interrupção de saques, pelos cotistas, sobre três fundos vinculados a empréstimos imobiliários de alto risco. Em 2008, foi revelado um grande esquema de fraude no Banco Société Générale, também francês, e rapidamente várias instituições financeiras de porte gigante nos Estados Unidos começaram, uma a uma, a explodir em perdas e rombos, revelando um grave quadro de imprudência e distorções nos empréstimos imobiliários e nas operações com derivativos financeiros.
A quase totalidade da população da Europa e dos Estados não tinha a menor noção do que eram aquelas operações bancárias, nem qual o tamanho do problema que fora construído ao longo de mais de 20 anos de desregulamentação imprudente, com a complacência e cumplicidade dos órgãos reguladores e dos bancos centrais. Autoridades diversas tentaram se justificar alegando desconhecimento do buraco que estava sendo cavado sob a superfície dos mercados de crédito e de investimentos em ativos financeiros derivativos. A desregulamentação e a frágil fiscalização chegaram a um extremo tal que mesmo economistas defensores do mercado livre vinham se posicionando contra esse tipo de “liberdade vale tudo”, dizendo ser um grande equívoco deixar um mercado tão sensível sem nenhum controle.
Liberdade não significa ausência de leis e de regras, principalmente considerando que as instituições financeiras trabalham com dinheiro dos outros. Aquela crise somente foi possível por obra de três eventos: uma política de financiamento habitacional que começou no governo Bill Clinton, na primeira metade dos anos 1990, e que, pela forma como foi regulada, mostrou vários defeitos; a desregulamentação e a falta de fiscalização das operações com derivativos, já citadas; e a euforia com o longo período de prosperidade iniciado nos anos 1990, marcado por crescimento do produto, inflação baixa, juros baixos e reduzido desemprego.
Em vez de desdenhar da situação e demorar para entender o problema e tomar providências, o dever do governante e dos políticos no poder é agir e tomar medidas de precaução
À medida que a crise tomava grandes proporções nos Estados Unidos, seus efeitos se espalharam pela Europa, Japão e alguns países produtores de petróleo com altos investimentos em dólar, levando países a sucumbirem, um após outro. Países como Irlanda, Espanha, Grécia, Portugal e Japão e outros foram entrando em crise como num efeito dominó. De forma imediata, o Brasil parecia imune à crise, em parte por aquilo que muitos analistas dizem ser um defeito do país: a pouca integração do sistema bancário brasileiro com o sistema financeiro internacional e, por isso, a não existência de aplicação financeira de bancos, pessoas e empresas brasileiras em títulos e operações de instituições financeiras estrangeiras.
Entretanto, no mundo globalizado, mesmo não sofrendo efeitos diretos imediatos, o Brasil sofreria efeitos sequenciais, pois as crises financeiras acabam afetando o mercado de bens e serviços, alteram o comércio exterior e mudam o balanço de pagamentos do país com o resto do mundo. Duas medidas que se seguiram prejudicaram o comércio exterior brasileiro: o aumento da taxa de juros internacionais e os cortes nos gastos públicos dos países atingidos pela crise, com redução da demanda mundial, queda da produção e menor comércio entre as nações.
O então presidente Lula dizia que, no Brasil, a crise seria apenas uma “marolinha”. O país parecia sair-se bem por causa de seu pequeno comércio internacional, não integração financeira externa e estouro nos gastos públicos nos últimos dois anos do governo Lula, culminando em aumento da inflação e elevação da dívida pública. Tanto é que Dilma Rousseff herdou uma economia com problemas, e ela não podia falar em “herança maldita”, expressão muito ao gosto de Lula, por dever sua eleição ao apoio do ex-presidente.
A crise financeira mundial de 2008-2009 deixou várias lições que deviam ser aprendidas. A primeira lição é que, aos sinais iniciais de uma crise grave em algum lugar do mundo, os governantes e os políticos deveriam adotar atitude de prestar atenção, estudar e buscar entender o que se está passando, pois alguma consequência interna sempre haverá. A segunda lição é que toda crise, em qualquer parte do globo, de uma forma ou de outra afetará o Brasil, talvez não diretamente, mas indiretamente e mais fortemente quanto mais o país se integrar ao mundo. A terceira lição é que está ficando cada vez mais difícil isolar a economia nacional, pois os eventos ocorridos em outros países podem não gerar consequências imediatas e podem não prejudicar todos os setores; mas, em algum momento, alguma parte será prejudicada.
Um exemplo interessante sobre efeitos internos desde crises externas é a grita do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, falando dos prejuízos a seu país pelo fato de profissionais autônomos e empregados norte-americanos estarem sendo prejudicados pela concorrência de outras nações. Biden citou o caso de países que, por terem tributação mais baixa que os Estados Unidos, estão estimulando a transferência de empresas norte-americanas para lá, as quais deixam de pagar tributos em seu país para pagar menos nas novas sedes estrangeiras. O presidente norte-americano está propondo que o mundo inteiro eleve a alíquota do imposto de renda sobre empresas, para evitar que estas transfiram suas sedes para nações com tributação mais baixa.
A quarta lição é que, principalmente no caso de crise provocada por doenças contagiosas, como é o caso da Covid-19, o que acontece em qualquer canto do planeta tem potencial de se espalhar e atingir os demais países rapidamente. Logo, em vez de desdenhar da situação e demorar para entender o problema e tomar providências, o dever do governante e dos políticos no poder é agir e tomar medidas de precaução. O Brasil não tem sido bom para aprender com as crises internacionais; não foi bom na crise de 2008-2009 e demorou demais para reagir na atual, subestimando a catástrofe sanitária e econômica que se seguiu.