Exageros à parte, uma vez que existe a denúncia fundamentada e o denuncismo, que cria uma cortina de fumaça em terreno perigoso, o Brasil vive um momento muito específico. A corrupção virou alvo de uma ofensiva sem precedentes. No fundo, o que se exige, e não sem-razão, é transparência no trato da coisa pública. Mas, em meio a tamanha turbulência, deve-se ter por parâmetro o equilíbrio e a cautela.
A respeito do notório manto de descrédito que caiu sobre a classe política, essa nódoa infamante nos remete a algumas lições, duas clássicas e a terceira, nem tanto, embora igualmente procedente.
A respeito do perigo das alianças, Maquiavel já ensinava que um príncipe deve ter o cuidado de não se aliar com alguém mais poderoso, porque, vencendo, se tornará presa do aliado. A troca de favores de hoje pode se transformar em obrigação a ser retribuída amanhã.
Antes de Maquiavel, o historiador romano Suetônio ensinou que à mulher de Caio Júlio César não cabe apenas ser honesta deve também aparentar honestidade. E, por fim, a expressão muito em voga antigamente, a do santinho de pau oco. Ou seja, o falso, totalmente falso. A origem remonta aos séculos XVIII e XIX, quando saqueadores utilizavam estátuas de santos para esconder o ouro e pedras preciosas pilhados do Brasil e enviados à Europa. Tudo encorpa a grande e permanente pergunta: o Brasil tem jeito?
É evidente que sim. Tal resposta, inclusive, foi corroborada na entrevista do promotor de Justiça Mateus Bertoncini, publicada na segunda-feira, para quem a lei 8.429/1992, que trata da improbidade administrativa, é eficaz para combater a corrupção em órgãos públicos. No entanto, a Constituição e as demais leis têm de ser aperfeiçoadas, cabendo à sociedade, também, desempenhar o seu papel nas cobranças.
Para o promotor, a legislação penal é muito "singela e branda" em relação aos crimes contra o patrimônio público, fazendo-se necessária uma reforma urgente no sistema, que não acompanha a gravidade de determinadas situações.
Como é voz corrente o rigor da lei não alcança os poderosos, mas apenas o homem comum , o promotor, ainda dentro da tese de que reformas são urgentes, citou a legislação penal que, em crimes contra a lei 8.666, a das licitações, prevê pena de dois a quatro anos de detenção e multa. O réu cumpre a sentença em regime aberto, o que não é exatamente uma punição, e ainda há, quase sempre, a substituição da pena. Já o Código Penal, em caso de roubo qualificado, quando um jovem furta um celular, por exemplo, prevê pena de quatro a dez anos e multa, mais o agravamento de, no mínimo, um terço da pena. Uma diferença brutal, porquanto o crime de desviar milhões do patrimônio público é muito mais grave, observa o promotor. Ou por outra, o sistema não acompanha a gravidade da situação de corrupção no país.
Conclui Mateus Bertoncini que o país enfrenta uma cortina de descrédito quanto ao sistema e à própria democracia. O desafio é não se abater; pelo contrário, reunir forças e vontade política para combater desvios e descaminhos, construindo a sociedade que se almeja.
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