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Editorial

Longevidade e Previdência

Uma notícia que deveria ser motivo apenas de festa está associada também à preocupação dos que almejam, depois de décadas de trabalho duro e de contínua contribuição para a Previdência oficial, a uma aposentadoria minimamente suficiente para manter um viver digno. É que o IBGE acaba de divulgar a Tábua da Vida – estudo anual que, com base estatística, mostrou que a expectativa de vida do brasileiro chegou em 2007 a 72,57 anos, cinco anos e meio a mais do que em 1991.

E o que uma coisa tem a ver com outra? Por que a alegria e por que a tristeza? Tudo a ver. O dado fornecido anualmente pelo IBGE é o eixo principal do "fator previdenciário", uma fórmula de cálculo pelo qual se define o valor da aposentadoria dos segurados e em que o resultado é o seguinte: quanto mais longo o tempo médio de vida das pessoas menor será o benefício que receberão no futuro. Engendrada em 1999 pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, a fórmula tinha um só objetivo, o de conter o crescimento desmesurado do déficit previdenciário.

O aumento da expectativa de vida é um dado altamente positivo. É indicativo de que a população está tendo acesso a serviços de saúde mais eficientes e a uma alimentação mais saudável e completa, fatores determinantes para a melhoria da qualidade de vida e, por conseguinte, para o aumento da longevidade. Entretanto, paradoxal e lamentavelmente, o que acontece na prática com a aplicação do fator previdenciário é que, devido à proposital redução dos proventos de aposentadoria, aquilo que representa uma conquista positiva da sociedade converte-se na condenação dos mais velhos a um penoso e indigno fim de existência.

Essa incongruência desumana não tem passado despercebida pela classe trabalhadora, pelos aposentados e também pelos políticos. Ainda agora tramitam no Congresso inúmeras propostas visando a corrigir as inúmeras distorções da seguridade oficial, de modo a garantir a manutenção do poder aquisitivo dos aposentados e pensionistas em patamares mais justos. Ainda na semana passada, o Senado Federal aprovou aquela que seria a mais importante medida, o fim do fator previdenciário, não estivesse ela, já de antemão, destinada a receber o veto presidencial.

A aprovação de quaisquer mudanças que vêm sendo propostas terá como resultado aumentos exorbitantes do já elevado déficit da Previdência. Calcula-se que neste 2008 suas contas fecharão com um saldo negativo da ordem de R$ 40 bilhões, a ser coberto com recursos do Tesouro. Tudo porque o montante recolhido com a contribuição de empresas e empregados é insuficiente para cobrir o que a instituição paga para seus beneficiários.

Vê-se, desta maneira, que a lógica – tanto do governo que promove a redução do valor dos benefícios quanto dos que lutam para elevá-lo – está desfocada daquele que seria o principal objetivo, isto é, o de conseguir equilibrar as finanças previdenciárias mediante o crescimento das receitas e não pelo corte desumano das despesas.

Isto é possível. Veja-se o cenário do mundo trabalhista brasileiro: de um total estimado de 76 milhões de trabalhadores, apenas 30 milhões contribuem para a Previdência Social; os 46 milhões restantes vivem na informalidade, à margem da proteção das leis trabalhistas ou previdenciárias. Ou melhor: esses 46 milhões que nada recolhem beneficiam-se de uma série de responsabilidades universais disponibilizadas pelo governo, como, por exemplo, o pagamento de benefícios assistenciais aos idosos carentes, que não encontra no orçamento público fontes de sustentação com recursos de contribuição.

Logo, mais importante é incentivar a formalidade, o trabalho com carteira assinada, agregando contribuintes para o sistema. O que só se tornará possível mediante, não com reforma previdenciária, mas com reforma trabalhista. Atualmente, apesar do crescimento econômico que favoreceu a abertura de vagas formais, há ainda grande resistência por parte dos empresários de micro e pequeno portes à contratação formal dado o seu altíssimo custo – aliás, o mais alto do mundo. No Brasil, para cada real que paga em salário, o empregador paga outro em encargos sociais e tributos.

A flexibilização das leis trabalhistas, de modo a estimular a carteira assinada, teria melhor efeito para a economia em geral, na medida em que ela significaria aumento da massa de consumo, e para a Previdência em particular, com o crescimento do universo de contribuintes. A medida também daria conta de, aos poucos, ir acabando com o profundo abismo que há entre aqueles que estão na informalidade e os que têm, com o registro formal de trabalho, acesso direto à rede de proteção social. É a fórmula matematicamente comprovada pelos melhores estudiosos do assunto – mas que, contraditoriamente, é a menos tentada.

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