Desde a última quinta-feira, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem novo presidente: Luiz Fux assume por dois anos o cargo que até então era de Dias Toffoli, continuando a tradição pela qual torna-se presidente o membro mais antigo da corte que ainda não tenha exercido este cargo. Em um discurso cheio de referências culturais e momentos de emoção, Fux prestou homenagem aos brasileiros mortos na pandemia de coronavírus, exaltou a resiliência do brasileiro e das instituições democráticas, mas, principalmente, emitiu uma série de sinais positivos que esperamos ver confirmados em sua atuação à frente da corte.
Neste momento em que até mesmo dentro do STF se articulam forças capazes de destruir a Operação Lava Jato, é alvissareiro que ela tenha sido nominalmente citada por Fux e descrita como “exitosa” na conclusão de um trecho do discurso em que prometeu: “não mediremos esforços para o fortalecimento do combate à corrupção (...) Aqueles que apostam na desonestidade como meio de vida não encontrarão em mim qualquer condescendência, tolerância ou mesmo uma criativa exegese do Direito”. Além disso, “o combate à corrupção, ao crime organizado e à lavagem de dinheiro, com a consequente recuperação de ativos” foi citado como um dos cinco eixos que nortearão a ação de Fux na presidência do Supremo e do Conselho Nacional de Justiça. Além disso, o novo presidente disse querer fortalecer o caráter do STF como corte constitucional, como forma de reduzir o volume de processos que sobrecarregam os ministros; incentivar a ação colegiada da corte; criticou a insegurança jurídica que freia o desenvolvimento do Brasil; e defendeu relações harmônicas entre os três poderes.
Fux parece compreender a gravidade do ativismo judicial e sugere saídas para evitar as interferências no Legislativo, mas precisará aplicá-las
Fux deteve-se mais longamente ao tratar do tema do ativismo judicial. O novo presidente do STF parece compreender bem o problema quando afirma que a Justiça vem sendo chamada “a decidir questões para as quais não dispõe de capacidade institucional”, levando a uma “transferência voluntária e prematura de conflitos de natureza política para o Poder Judiciário”. Isso submete o STF a um “protagonismo deletério, corroendo a credibilidade dos tribunais quando decidem questões permeadas por desacordos morais que deveriam ter sido decididas no parlamento”.
“Tanto quanto possível, os poderes Legislativo e Executivo devem resolver interna corporis seus próprios conflitos e arcar com as consequências políticas de suas próprias decisões”, afirmou Fux, com razão. É impossível ignorar que muitos temas característicos do ativismo judicial são levados ao Supremo pelos próprios partidos políticos, que buscam o atalho do Judiciário porque são incapazes de conseguir fazer valer suas plataformas na arena correta, o Congresso Nacional.
Para esta situação, Fux propõe um novo tipo de resposta: dar “um basta na judicialização vulgar e epidêmica de temas e conflitos em que a decisão política deva reinar”, por meio de uma “virtude passiva, devolvendo à arena política e administrativa os temas que não lhe competem à luz da Constituição”. Trata-se de simplesmente reconhecer que determinado tema não é de competência do Supremo, mas do Congresso, o verdadeiro locus onde tais debates devem se desenrolar, envolvendo os representantes eleitos pelo povo para legislar. Foi o que ocorreu, de certa forma, quando o STF julgou o ensino domiciliar, decidindo que o homeschooling é constitucional, mas que cabe ao Legislativo regulamentá-lo.
O novo presidente do STF, no entanto, admitiu a possibilidade de a corte “excepcionalmente assumir esse protagonismo”, mas, quando isso ocorresse, a Justiça deveria “atuar como catalisador e indutor do processo político-democrático, emitindo incentivos de atuação e de coordenação recíproca às instituições e aos atores políticos”. Mesmo isso, no entanto, tem de ser feito com enorme parcimônia. Alguém seria capaz de imaginar que, por exemplo, diante de um processo penal que corre risco de prescrever, ou diante da inação do Supremo, que não julga ação relacionada a determinado tema considerado fundamental para o país, o Congresso aprovasse uma lei forçando o STF a realizar o julgamento dentro de determinado prazo? Pois o inverso é igualmente descabido: o excesso de ações no Supremo encontra rival em semelhante acúmulo de projetos de lei na Câmara e no Senado, e a construção das pautas legislativa e judiciária também é assunto interno.
As afirmações de Fux a respeito do ativismo judicial só não podem ser recebidas com completa aprovação porque, ao mesmo tempo em que demonstra conhecer a gravidade do problema e sugere uma mudança de curso da parte do Supremo, o novo presidente exalta justamente a atuação da corte em casos claros nos quais se configurou uma usurpação de poderes do Legislativo, como no recente caso da equiparação da homofobia ao racismo e na aprovação das uniões estáveis homoafetivas. É especialmente no campo do comportamento e dos costumes que o ativismo judicial costuma mostrar sua pior face, disfarçado de “papel iluminista do Supremo”, para usar a expressão do ministro Luís Roberto Barroso, e é ali que residirá um desafio formidável para Fux neste biênio à frente da suprema corte. Se transformar o discurso em prática, fará um grande favor à democracia e à sociedade brasileiras.