Seguindo sua prática habitual, o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região não quis esperar os embargos de declaração dos embargos de declaração, que aquele corte costuma considerar meras medidas protelatórias – o que, na esmagadora maioria dos casos, são mesmo. Depois de o Supremo Tribunal Federal ter negado o habeas corpus de Lula, o TRF-4 notificou o juiz Sergio Moro, informando-o de que já podia mandar prender o ex-presidente. E foi o que o magistrado fez, dando a Lula um prazo – até as 17 horas de sexta-feira – para se entregar à Polícia Federal.
De fato, não havia motivo para esperar mais. O ex-presidente usou a sobrevida que o Supremo lhe tinha dado em 22 de março para rodar o Sul do país em campanha eleitoral antecipada e continuar desafiando a Justiça e a força-tarefa da Operação Lava Jato. Apesar de tantas provocações, Moro não caiu no truque e, em seu despacho, tomou todas as salvaguardas possíveis para o momento da prisão: Lula não poderá ser algemado, terá uma sala exclusiva à sua disposição no prédio da Polícia Federal em Curitiba, e todos os detalhes do momento da apresentação do ex-presidente serão combinados com a defesa.
A grande incógnita é a reação dos petistas, que, no mesmo estilo belicoso de seu líder máximo, prometeram de tudo no caso da prisão de Lula – a ideia mais recente foi a de um “cordão humano” em torno da casa do ex-presidente na Grande São Paulo, e o senador Lindbergh Farias chegou a usar as mídias sociais para convocar caravanas de militantes. Já os movimentos-satélites foram bem mais agressivos, com coordenadores do MST prometendo “porrada, guerra e luta” e um “abril vermelho ao quadrado”.
O pedido de liminar do PEN é uma manobra para salvar Lula, usando os demais condenados apenas como pretexto
Mas, histeria à parte, Lula, sendo quem é, certamente desejará fazer de sua apresentação um palanque político, encarnando o mártir que caminha rumo ao suplício armado por seus inimigos políticos, e não o que ele realmente é: um condenado por corrupção e lavagem de dinheiro, e que ainda tem nas costas vários outros processos, formando um “conjunto da obra” que o aponta como o chefe do maior esquema de corrupção da história do país.
No entanto, pode ser que nada disso seja necessário. O advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, que ficou conhecido em todo o país na defesa de réus do mensalão, é coautor de um pedido de liminar para que nenhum condenado em segunda instância seja preso até que as Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 43 e 44 sejam julgadas pelo plenário do Supremo, o que pode levar à reversão no entendimento atual sobre o início do cumprimento da pena. Kakay representa o Partido Ecológico Nacional (PEN), autor de uma das ADCs – a outra é de autoria da Ordem dos Advogados do Brasil. Na prática, trata-se de um habeas corpus coletivo, ainda que formalmente não seja tratado dessa maneira.
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E o pedido é tudo que Marco Aurélio Mello queria. O ministro, um dos mais árduos defensores do início do cumprimento da pena apenas após o esgotamento de todos os recursos nos tribunais superiores, demonstrou todo o seu descontrole na sessão de quarta-feira, quando interrompeu a colega Rosa Weber no momento em que ela estava prestes a declarar seu voto contrário a Lula. Marco Aurélio ainda não poupou críticas à presidente da corte, Cármen Lúcia, dizendo que a “estratégia” da ministra tinha prevalecido, quando a decisão de colocar em pauta o habeas corpus de Lula, e não as ADCs, tinha sido tomada de comum acordo com o ministro, e não à sua revelia. “Se arrependimento matasse, eu seria hoje um homem morto”, ele disse durante seu voto no julgamento de quarta-feira.
Pois Marco Aurélio agora tem sua chance: pode tomar uma decisão monocrática que tire Lula da cadeia, ou que o desobrigue de se apresentar, caso ainda não o tenha feito. Em ocasiões anteriores, ele e outros ministros já concederam liminares contrárias ao atual entendimento do STF. Até o momento, ele tem considerado a possibilidade de levar a liminar ao plenário, mas, se ele ceder e, em um desprezo total pela jurisprudência em vigor, resolver colocar na rua todos os condenados em segunda instância que aguardam recurso, daria de bandeja uma vitória aos corruptos, aos defensores da impunidade, derrotando a Justiça e todo o Brasil.
O ministro precisa ponderar os efeitos drásticos que tal decisão teria e o seu caráter profundamente personalista – pois é inegável que se trata de uma manobra para salvar Lula, usando os demais condenados apenas como pretexto. Que, apesar de seu posicionamento, Marco Aurélio não se deixe levar pela paixão ou pelo orgulho ferido, respeitando a posição atual da corte suprema e aguardando o julgamento das ações de sua relatoria, sem os atalhos nocivos que os chicaneiros colocam à sua frente.