A decisão unânime da 8.ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF4), que na quarta-feira manteve a condenação de Lula por lavagem de dinheiro e corrupção no caso do tríplex do Guarujá, foi o pior dos cenários para as pretensões eleitorais do ex-presidente. Como não houve nenhuma divergência, nem mesmo quanto à nova pena, maior que a decidida por Sergio Moro, a defesa não poderá contar com recursos como os embargos infringentes, que poderiam atrasar a conclusão do processo na segunda instância. Além disso, os desembargadores ainda recomendaram que Lula comece a cumprir a pena assim que terminar a análise dos embargos de declaração.
Quando todos os recursos forem esgotados no TRF4, o que deve ocorrer ainda no primeiro semestre, Lula será oficialmente um ficha-suja, pela definição da Lei Complementar 135, também conhecida como Lei da Ficha Limpa. Segundo a lei, estão inelegíveis para qualquer cargo “os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de oito anos após o cumprimento da pena, pelos crimes (...) 1. contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público (...) 6. de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores”. Exatamente o caso do ex-presidente, já que foi um colegiado – a 8.ª Turma do TRF4 – que proferiu a decisão de quarta-feira, mantendo sua condenação.
Os petistas continuarão dizendo que “eleição sem Lula é fraude”, mas fraude mesmo é eleição com candidato ficha-suja
Mesmo assim, o Partido dos Trabalhadores insiste: Lula será seu candidato à Presidência da República em outubro – nesta quinta-feira, a legenda realizou até mesmo um ato de “lançamento de candidatura”. A estratégia é registrar o nome de Lula na Justiça Eleitoral em agosto e esperar pelas contestações, dando início a um novo processo, desta vez para impugnar a candidatura. O vaivém de recursos, espera o PT, adiaria o desfecho do caso para depois das eleições, que Lula espera vencer, o que colocaria uma pressão adicional sobre os magistrados: na imaginação dos petistas, eles não teriam coragem de decidir contra a “vontade das urnas”, apesar da clareza da lei quando à inelegibilidade do chefão.
Além de ganhar tempo com o trâmite na Justiça Eleitoral – que, é claro, precisa estar atenta a essa estratégia e julgar o quanto antes o caso de Lula assim que receba os pedidos de impugnação –, Lula ainda teria a possibilidade de conseguir uma liminar no Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou no Supremo Tribunal Federal (STF) que lhe suspendesse a inelegibilidade. Este seria o caso mais escandaloso, pois representaria, na prática, o fim da Lei da Ficha Limpa. Se um indivíduo pode cometer crimes, ser condenado em primeira e segunda instâncias – por unanimidade –, e ter a possibilidade legal de ser eleito apesar de uma lei que afirma expressamente o contrário, como o brasileiro pode continuar a acreditar em suas instituições e em sua democracia?
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Antes do julgamento de quarta-feira, não eram poucas as personalidades políticas fora do petismo, incluindo o presidente Michel Temer e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que argumentaram ser melhor vê-lo derrotado nas urnas que condenado na Justiça e impedido de concorrer. Sem dúvidas, um fracasso eleitoral representaria o fim da trajetória política do ex-presidente, o que seria um grande alívio para o Brasil, mas não é isso que está em jogo. O âmbito eleitoral e o criminal não se confundem. As evidências do crime cometido por Lula são acachapantes, como lembraram os desembargadores do TRF4, e isso o levou à condenação por um colegiado. Se, em consequência disso, Lula está inelegível, não há o que fazer a não ser cumprir a lei.
O “deixa o homem concorrer” só faria sentido em caso de absolvição, ou se o julgamento no TRF4 não ocorresse até a eleição. Mas não foi o que aconteceu: Lula segue condenado, e quem quer que proponha a sua participação no pleito a partir de agora estará negando o princípio de que todos são iguais perante a lei e promovendo, como consequência, a erosão do Estado Democrático de Direito. Se queremos consolidar o império da lei no Brasil, considerações que relativizam os ditames legais de acordo com o personagem em questão precisam ser firmemente repelidas.
Os petistas continuarão dizendo que “eleição sem Lula é fraude”, como se o ex-presidente tivesse um direito absoluto de disputar o pleito independentemente do que diz a lei. Mas a verdade é bem diferente: fraude mesmo é eleição com candidato ficha-suja.