Num dos raros momentos em que aparentou sinceridade, o ex-presidente Lula se definiu como uma “metamorfose ambulante”. Usou a expressão quando ainda ocupava o Palácio do Planalto, em 2007, para justificar as contradições entre o antes e o depois – isto é, dos tempos em que ele e o PT faziam oposição aos tempos em que chefiava o governo. O Lula da oposição às políticas econômicas de seus antecessores, o Lula que fazia cerrado combate ao comportamento antiético dos governos e dos políticos já não era o mesmo Lula poucos anos depois.
A síndrome da metamorfose não se esgotou. Semana passada, ao discursar para uma plateia petista em São Paulo, o ex-presidente confessou: “Nós ganhamos as eleições, sabe, com um discurso e, depois das eleições, sabe, nós tivemos de mudar o nosso discurso e fazer aquilo que nós dizíamos que não íamos fazer. Esse é um fato conhecido de 204 milhões de habitantes e conhecido pela nossa querida presidente Dilma Rousseff”.
Poucas vezes se viu uma admissão pública e tão espontânea de que a reeleição da presidente Dilma, em 2014, se deveu à prática escancarada de estelionato político-eleitoral. Durante a campanha, pregavam-se maravilhas sobre o modo petista de governar e que esta tinha sido a receita para que o país, a despeito de todas as crises globais do período, saísse ileso e mantivesse infindáveis condições para continuar crescendo e diminuindo a distância entre ricos e pobres. Por isso, a candidata reafirmava sua infalível crença nas políticas públicas que ela e seu antecessor empreenderam. A maioria (embora estreita) da população foi às urnas para demonstrar seu repúdio a todos os males que a oposição prometia combater caso fosse eleita. Nada de ajuste fiscal; nada de aumentar juros; nada de reformas estruturais; nada de enxugar a máquina; nada de elevar a carga tributária; nada de extinguir direitos trabalhistas; nada de sacrificar programas sociais; nada de conter gastos com saúde e educação.
A desajeitada confissão de Lula traz escondidas suas repetitivas falácias, como a do “eu não sabia”
E foi assim que, com este discurso, Dilma foi reeleita e a oposição, anatematizada por encarnar ideias que sepultariam os anos de conquistas inimagináveis que os governos petistas haviam alcançado. Poucos dias depois da eleição, porém, a realidade veio à tona. Revelou-se a situação pré-falimentar das finanças públicas e, uma a uma, todas as promessas de campanha começaram a cair como um castelo de cartas. Foi chamado a agir como síndico da massa falida o economista Joaquim Levy, cuja formação da Escola de Chicago nenhuma relação guardava com o lulopetismo. E a ele se deu a tarefa de promover o ajuste fiscal, pelo crescimento da carga tributária, cancelamento das desonerações, alta dos juros, cortes em setores que se dizia “imexíveis”, como a educação – apesar do slogan “Pátria Educadora”.
A desajeitada confissão de Lula de que “ganhamos as eleições com um discurso” e depois “tivemos de fazer aquilo que nós dizíamos que não íamos fazer” esconde, no entanto, outra de suas repetitivas falácias. A chave está no “tivemos de”. Quem teria forçado o PT e Dilma a abandonar o discurso que venceu a eleição? Lula não diz. No fundo, trata-se de uma variante do famoso “eu não sabia”. Lula nada sabia sobre o mensalão, nada sabia sobre o petrolão, nada sabia sobre os malfeitos que se desenrolavam sob suas barbas – e agora tenta também passar a ideia de que ele, o PT e Dilma “não sabiam” da gravidade da situação, muito menos que tinham sido eles os causadores da catástrofe. Foi o que Luís Inácio Adams, o advogado-geral da União, disse ao TCU para justificar as “pedaladas”: que ninguém imaginava que a crise viria. A argumentação acabou rejeitada por unanimidade.
Mas a verdade é que o cenário que o país vive hoje tem origens bens conhecidas. Remontam à época em que a crise mundial de 2008 foi interpretada como uma simples “marolinha” que o governo combateria facilmente com contravenenos poderosos: em vez de seguir a dura cartilha ortodoxa que livrou da recessão outros países igualmente (ou mais) afetados pelas bolhas que se seguiram, o governo abandonou todos os fundamentos para se aventurar no que pomposamente chamou de “política econômica anticíclica” – isto é, aquela que ensinava a fazer tudo ao contrário.
Deu no que deu. A economia se desgovernou, a inflação disparou, o desemprego cresceu, a recessão não vai nos largar tão cedo. Foi o Brasil que caiu nas teias da metamorfose.
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