Na terça-feira passada, o ex-presidente Lula repetiu um gesto de 2010, quando ainda ocupava o Planalto, e concedeu uma entrevista a uma série de blogueiros escolhidos a dedo: todos assumidamente de esquerda, vários recebendo verba de publicidade governamental (as prefeituras petistas de São Paulo e Guarulhos são as presenças mais comuns), e que só não são completamente chapa-branca porque fazem, sim, suas críticas ao governo: quando avaliam que as ações do Planalto não estão levando o país ao socialismo com a rapidez que esses blogueiros gostariam de ver. Enfim, uma trupe responsável por fazer propaganda política travestida de "jornalismo" ou "análise da grande imprensa". Com uma plateia tão simpática, Lula deitou e rolou, sem a menor vergonha de deixar claro qual o seu projeto para o Brasil e o que disse deveria deixar de cabelos em pé todo brasileiro comprometido com a democracia.
A imprensa livre foi o maior alvo de Lula ao longo de toda a entrevista. Enquanto estava no Planalto, ele até tratava do tema, mas deixou para seu ministro Franklin Martins o papel de desferir os ataques mais diretos à liberdade de imprensa, levando não poucos a imaginar que se tratava de uma briga particular de Martins, plataforma da qual Lula manteria certa distância. Mas o ex-presidente desfez na terça-feira qualquer ilusão que pudesse haver a respeito de sua posição pessoal sobre o assunto. "Perdemos um tempo precioso e não fizemos o marco regulatório da comunicação nesse país (...) Temos de retomar com muita força essa questão da regulação dos meios de comunicação do país. O tratamento à Dilma é de falta de respeito e de compromisso com a verdade", afirmou o ex-presidente.
Para Lula, são os blogs chapa-branca, e não a imprensa livre, que mostram a verdade ao leitor. "Acho que os meios de comunicação no Brasil pioraram do ponto de vista da liberdade, do ponto de vista da neutralidade, e agora que vocês [os blogs] tão fortemente conquistaram a neutralidade da internet, têm de começar a campanha para conquistar a neutralidade dos meios de comunicação para eles pelo menos serem verdadeiros. Podem ser contra ou a favor, mas que a verdade prevaleça". Difícil imaginar que tipo de "neutralidade" ofereceriam os entrevistadores de Lula.
Como prova da "manipulação" provocada pela imprensa, Lula não podia deixar de citar o mensalão. "A imprensa construiu quase que o resultado desse julgamento", disse o ex-presidente, achando "indescritível" que "uma CPI que começou investigando o desvio de R$ 3 mil em uma empresa pública [no caso, os Correios], que era dirigida pelo PMDB e que investigava um cara do PTB, terminou no PT". Insistindo, contra toda a evidência, que não houve mensalão, Lula diz que a história do escândalo precisa ser reescrita "e, se eu puder, vou ajudar a recontá-la". De reescrever a história o ex-presidente entende bem, já que, durante seus oito anos de mandato, fez parecer que seu partido havia fundado o Brasil em 2003, ignorando que boa parte dos bons resultados socioeconômicos que colheu foi plantada por seus predecessores na Presidência.
Lula ainda defendeu uma ruptura institucional, ressuscitando a ideia de Constituinte exclusiva para a reforma política, uma aberração que Dilma Rousseff lançou no auge dos protestos de 2013 e que, felizmente, foi abortada. "Sou favorável à Constituinte exclusiva para fazer a reforma política. Não tem outro jeito", defendeu o ex-presidente, cuja agressividade atual contrasta fortemente com o Lula "paz e amor" de 2002 e não é difícil descobrir qual deles é o verdadeiro.
"Devemos preferir o som das vozes críticas da imprensa livre ao silêncio das ditaduras", disse Dilma Rousseff em um dos trechos mais felizes do seu discurso de posse, em 2011. Por mais críticas que tenhamos à presidente, este é um ponto no qual ela se mostra muito mais comprometida com a democracia que seu antecessor e criador. Mas, como bem mostrou a reunião de emergência entre ambos no dia 4 para discutir a crise na Petrobras, é impossível saber quem realmente manda. Que Dilma tenha força para se manter fiel ao discurso e impedir que prevaleça a visão lulista, sem compromisso com os valores da democracia.
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