Lula em entrevista a correspondentes internacionais em 22 de julho, quando voltou a fazer críticas a Roberto Campos Neto.| Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República
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A trégua terminou de vez. Depois de algumas poucas semanas sem fazer suas críticas ao Banco Central e, especialmente, ao presidente da instituição, Roberto Campos Neto, o presidente Lula voltou à carga na segunda-feira, dia 22, e na sexta-feira, dia 26 – nesta última ocasião, o petista afirmou que Campos Neto não tem “respeito” pela população pobre que recebe salário mínimo. Mas, na falta de algum fato ou declaração nova para criticar, Lula precisou requentar afirmações anteriores do presidente do BC e usar algumas falácias.

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No dia 22, em entrevista a agências internacionais, Lula voltou a dizer que tem compromisso com a responsabilidade fiscal – acredita quem quiser, obviamente –, e já passou a disparar contra Campos Neto: “Como pode um rapaz que se diz autônomo, presidente do Banco Central, estar incomodado com o fato de o povo mais humilde estar ganhando aumento de salário”, afirmou. Na sexta-feira, deu sequência às críticas: “Esses dias o presidente do Banco Central deu uma declaração para imprensa que eu não quis acreditar. O cidadão jovem, bem-sucedido na vida, diz o seguinte: ‘Esse negócio de aumento do salário mínimo e a massa salarial crescendo pode gerar inflação’. Significa que para não ter inflação o povo precisa ganhar pouco? É preciso?”

A gritaria lulista contra o BC e Campos Neto tem tido efeito praticamente nulo sobre o Copom. Mas ela consegue fazer estrago considerável no mercado financeiro

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“Esses dias”, no caso, é o mês de abril, quando Campos Neto afirmou à CNN Brasil que “quando as empresas não conseguem contratar e têm que começar a subir o salário para o mesmo nível de produção, significa que você está iniciando um processo inflacionário” – muita atenção, aqui, à condicional “para o mesmo nível de produção”, que Lula convenientemente omitiu. Além disso, qualquer economista que não seja um heterodoxo terraplanista poderia explicar ao presidente que existe, sim, uma ligação entre elevação da massa salarial e pressão inflacionária pela via da demanda, com a possibilidade de estímulo maior ao consumo.

Ligação, no entanto, não significa uma relação inescapável de causa e efeito. Não é preciso, como argumenta falaciosamente o presidente da República, que as pessoas permaneçam ganhando pouco “para não ter inflação”. Ajudaria muito a controlar a inflação, por exemplo, que o governo mantivesse as contas em ordem. Na entrevista do dia 22, Lula disse que “sempre que precisar bloquear nós vamos bloquear”, como se fosse um grande defensor da austeridade fiscal, quando na verdade os R$ 15 bilhões anunciados dias atrás por Fernando Haddad não bastarão para que o governo chegue nem mesmo ao limite inferior da banda de resultado primário prevista pelo arcabouço fiscal.

O timing dos ataques de Lula não é aleatório. Na falta de algo novo que o petista ache digno de crítica, requentar declarações de Campos Neto feitas três meses atrás é o último recurso que resta a Lula antes de mais uma reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), marcada para esta terça e quarta-feira. Na reunião anterior, o colegiado decidiu manter a Selic em 10,5% ao ano, para a ira de Lula e dos petistas – uma decisão tomada por unanimidade, sendo que o Copom já tem quatro diretores indicados pelo próprio Lula, que ainda assim prefere centrar fogo apenas em Campos Neto.

Felizmente, a gritaria lulista tem tido efeito praticamente nulo sobre o Copom. Mas ela consegue fazer estrago considerável no mercado financeiro. Da última vez que Lula não conseguiu segurar sua língua, o dólar saltou para quase R$ 5,70; o cessar-fogo conseguiu fazer a moeda norte-americana voltar para a casa dos R$ 5,40, mas ela já voltou a subir e tem ficado na casa dos R$ 5,60. Justamente no momento em que alguns dados norte-americanos alimentam a esperança de um corte nos juros por lá em um futuro próximo, o que ajudaria o real a se valorizar, a incontinência verbal de Lula pode colocar tudo a perder.

Respeitar o brasileiro pobre, para usar o mote de Lula em sua crítica a Campos Neto, inclui agir para preservar o seu poder de compra, combatendo a inflação. Quando o governo não cumpre seu papel e gasta mais do que deve, a autoridade monetária tem de entrar em cena. Já não é de hoje que o Banco Central faz mais pelo controle da inflação que o Palácio do Planalto ou o Ministério da Fazenda.

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]