Nicolás Maduro e Lula, durante visita do ditador venezuelano a Brasília em maio de 2023.| Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República
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O presidente Lula continua empenhado em achar uma portinhola de saída para seu camarada venezuelano, o ditador Nicolás Maduro, após a realização de um processo eleitoral que praticamente todas as democracias ocidentais e até observadores aceitos por Maduro, como o Centro Carter, consideraram nada limpo nem livre, mas bastante fraudulento. Em entrevista na manhã de quinta-feira a uma rádio de Curitiba, questionado se reconhecia a autoproclamada vitória de Maduro, o petista afirmou que “ainda não”, acrescentando que o venezuelano “sabe que está devendo uma explicação para a sociedade brasileira e para o mundo”.

Aqui, é o “ainda” que importa, indicando que Lula segue confiando na possibilidade de aparecer algo, qualquer coisa que lhe permita finalmente deixar de lado o jogo de cena e endossar a permanência de Maduro no poder, como aliás já fez o PT em nota divulgada logo após a proclamação do resultado. Lula afirmou, também, que Maduro “tem que apresentar os dados, que seja confiável. O CNE, que tem gente da oposição, poderia ser”, em referência à autoridade nacional venezuelana. Ocorre que, mais uma vez, Lula omite fatos importantes para tentar dar alguma legitimidade ao órgão eleitoral; afinal, dos cinco membros do CNE, três são ardorosos chavistas, incluindo Elvis Amoroso, presidente do colegiado – o que já garante a Maduro a maioria absoluta –, enquanto os dois restantes não são exatamente “gente da oposição”, embora no passado tenham sido mais próximos das forças democráticas; mais adequado seria descrevê-los apenas como pessoas sem ligação com o bolivarianismo.

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Lula segue confiando na possibilidade de aparecer algo, qualquer coisa que lhe permita finalmente deixar de lado o jogo de cena e endossar a permanência de Maduro no poder

Como até agora as tais atas não apareceram – e, se em algum momento aparecerem, dificilmente terão credibilidade, já que houve tempo suficiente para se forjar toda uma papelada que milagrosamente coincida com o resultado proclamado pelo CNE no fim de julho –, o governo brasileiro e seus diplomatas, incluindo o chanceler de jure, Mauro Vieira, e o chanceler de facto, Celso Amorim, acalentam uma alternativa: um tira-teima. Na entrevista desta quinta, Lula se referiu a essa possibilidade: “se ele [Maduro] tiver bom senso, ele poderia tentar fazer uma conclamação ao povo da Venezuela, quem sabe até convocar uma nova eleição, estabelecer um critério de participação de todos os candidatos, criar um comitê eleitoral suprapartidário, e deixar que entrem olheiros do mundo inteiro pra verem as eleições”. Amorim, que já assumiu a paternidade da ideia, disse no Senado que o Brasil não fez a proposta a Maduro, mas a defendeu com um argumento esdrúxulo: “O que é curioso de novas eleições é que tanto um quanto o outro poderia aceitar facilmente, não é? Se eles ganharam, eles disseram que ganharam, ganhariam de novo”.

Poderíamos estar diante de uma gigantesca ingenuidade, mas, sendo Lula e Amorim quem são, essa hipótese é bastante improvável; sobra apenas a motivação perversa de dar ao ditador amigo a chance de, desta vez, organizar melhor sua fraude. Maduro já teve a oportunidade para realizar eleições com observadores do mundo inteiro, permitindo que a oposição escolhesse livremente seu candidato e deixando que o pleito fosse organizado por uma entidade independente; ganhou até uma suspensão das sanções norte-americanas quando assinou os Acordos de Barbados. Mas foi descumprindo cada uma das cláusulas até deixar o processo eleitoral a seu gosto: concorreu apenas contra quem ele deixou concorrer, perseguiu a oposição, intimidou eleitores e comprou votos. E ainda assim Maduro incapaz de demonstrar que saiu vencedor. Quem acreditaria que um “segundo turno”, como a ideia chegou a ser chamada, seria livre e limpo?

Além disso, a principal razão pela qual a ideia de Lula e Amorim representa um desrespeito completo à vontade do povo venezuelano foi resumida pela diretora da Divisão das Américas da ONG Human Rights Watch. Em entrevista ao jornal O Globo, Juanita Goebertus disse que “não há nada a se repetir”, pois um novo pleito “implicaria desconsiderar que já houve uma eleição” e que votações “não podem ser justas e livres se uma parte pode decidir refazê-las porque não gosta do resultado”. Gostem ou não o presidente brasileiro e seu articulador de política externa, os venezuelanos já se pronunciaram, e disseram que não querem Maduro no Palácio de Miraflores. Foi justamente este, aliás, o argumento de María Corina Machado para rejeitar a ideia brasileira.

O Brasil, a essa altura, deveria estar trabalhando para que essa vontade popular se tornasse realidade da forma mais pacífica possível, o que não descartaria a possibilidade de oferecer a Maduro e seus asseclas uma “saída honrosa” na forma, por exemplo, de um salvo-conduto (como o proposto por María Corina e rechaçado pelo ditador) ou mesmo uma anistia, para que se evite o “banho de sangue” prometido por Maduro semanas atrás. Em vez disso, Lula (que se recusa a descrever a Venezuela como “ditadura”) e Amorim apenas tentam ganhar tempo para que, mais cedo ou mais tarde, surja a desejada justificativa para que o Brasil reconheça a “vitória” do bolivariano. A máscara da prudência já caiu faz tempo; cada nova declaração ambígua de Lula e cada ideia insana de Amorim só reforçam a noção de que ambos não passam de cúmplices de Maduro – ainda um pouco envergonhados, mas cúmplices ainda assim.

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]