O ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo tem lá seus defeitos. No campo da segurança pública, entrou em rota de colisão com os governos tucanos de São Paulo (quando, em 2012, mentiu ao negar que o estado tivesse pedido ajuda federal durante um surto de ataques ordenados de dentro de presídios) e do Paraná (quando, em 2014, negou a cessão de um delegado da Polícia Federal nomeado como secretário de Estado da Segurança Pública, apesar de situação semelhante ocorrer, à época, em outros 11 estados sem problemas). Ele se encontrou com advogados de réus da Lava Jato sem que os compromissos estivessem em sua agenda. E, muitas vezes, agiu mais como advogado de Dilma Rousseff e do PT que como ministro de Estado – por exemplo, participando, em outubro de 2015, das manobras que tentaram adiar a sessão do TCU que votou pela reprovação das contas de Dilma Rousseff; ou quando endossou publicamente a tese de que o pedido de impeachment de Dilma seria “golpismo”.
Mas tudo indica que não foi por causa dos defeitos que Cardozo acabou caindo. Havia meses ele estava na mira do PT, e especialmente do ex-presidente Lula, simplesmente por deixar a Polícia Federal, subordinada ao Ministério da Justiça, fazer o seu trabalho. E, por “fazer o seu trabalho”, entenda-se chegar cada vez mais perto do núcleo do poder petista nas operações Lava Jato e Zelotes. Isso inclui as investigações que levaram à prisão do marqueteiro João Santana, responsável pelas campanhas de Lula em 2006 e Dilma em 2010 e 2014; ou à busca e apreensão em escritórios da empresa de marketing esportivo de Luís Cláudio, filho de Lula. A PF ainda está investigando a possível ligação de Lula com o famoso tríplex do Guarujá e o não menos célebre sítio de Atibaia, o que levou Lula a fazer novas críticas à PF no último fim de semana, durante a festa de aniversário do PT.
Na mentalidade petista, instituições de Estado existem apenas para servir ao partido
É altamente improvável que Cardozo (que agora assume a chefia da Advocacia-Geral da União) admita publicamente que caiu devido às pressões de Lula. Mas, a amigos, teria dito que “perdeu a paciência” com o fato de o ex-presidente viver pedindo sua cabeça, segundo informações do jornal Folha de S.Paulo. E, no dia 22, recebeu em seu gabinete dez deputados federais petistas que foram se queixar da “perseguição” a Lula.
Assim, a presidente que, na campanha da reeleição, se gabava de ter dado autonomia à Polícia Federal (como se essa autonomia não fosse garantia constitucional, em vez de opção do mandatário) se livra de um ministro da Justiça exatamente porque ele não colocou um cabresto nessa mesmíssima autonomia. Soa contraditório, mas só para quem ignora que, na mentalidade petista, instituições de Estado existem apenas para servir ao partido – basta ver que os mesmos deputados que reclamaram da ação da PF contra Lula disseram a Cardozo que os agentes deviam priorizar as denúncias contra outro ex-presidente, Fernando Henrique Cardoso. Em resumo, a outrora glorificada autonomia da PF se tornou um estorvo quando se virou contra o petismo.
A corporação sabe o tamanho do problema; em nota, a Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF) manifestou “extrema preocupação” com a saída de Cardozo. “Os delegados federais reiteram que defenderão a independência funcional para a livre condução da investigação criminal e adotarão todas as medidas para preservar a pouca, mas importante, autonomia que a instituição Polícia Federal conquistou”, afirma o texto. A tarefa de respeitar essa autonomia cabe agora a Wellington César Lima e Silva – indicação do ministro Jaques Wagner, próximo a Lula. A sociedade, a quem a ADPF pede apoio em sua nota, estará acompanhando de perto o trabalho do novo ministro.
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