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O ex-presidente, em comício em São Paulo, reforça explicitamente o "nós contra eles" e faz novo ataque à imprensa

Decididamente, Lula não pertence àquele reduzido time de pessoas públicas que atualmente estão no topo da política nacional e que se mostram comprometidas com a seriedade. É mais que frequente o hábito (ou seria vício?) do ex-presidente de descambar para a demagogia barata, ultrapassando quaisquer limites – desde o do simples bom senso até o do respeito à ética e às instituições. O discurso de campanha que pronunciou em São Paulo na última segunda-feira, ao lado da presidente-candidata Dilma Rousseff, inscreve-se como um dos mais emblemáticos excessos de sua loquacidade.

É certo que a presente campanha eleitoral para a Presidência já está marcada na história como uma das mais renhidas e, por que não dizer?, sórdidas. Disputa-se não apenas o mais alto cargo da República, mas a prevalência de quem é o pior entre "nós e eles". Estrategistas de campanha conseguiram incutir na sociedade, com elevados graus de fanatismo fundamentalista, discussões sobre qual dos lados é o mais corrupto, qual deles é o mais incompetente e qual deles mente mais. Chegamos ao ponto extremo de que a decisão de voto se dará por um terrível critério: o eleitorado está sendo chamado não a escolher o melhor, mas o menos pior.

Lula pode até não ter sido o inventor dessa estratégia, mas foi por sua voz carrascante que ela foi amplificada e aprimorada ao longo do tempo. Não apareceu agora, pois há muito se ouve dele o discurso de uma pretensa luta de classes, não com o objetivo idealista de buscar a superação das desigualdades, mas como instrumento puramente eleitoreiro. De um lado, os pobres e os trabalhadores assalariados e explorados; de outro, o que genericamente chama de "azelite" para nela incluir a "imprensa golpista", os bancos e tantos quantos pretendam democraticamente divergir "deles".

No comício de São Paulo, no entanto, Lula se superou. Deixou de lado suas convenientes generalidades para dar nomes aos "inimigos" que a ocasião eleitoral lhe permite. Citou nominalmente, por exemplo, a jornalista Miriam Leitão, comentarista de economia dos mais importantes veículos de comunicação do país – aquela mesma que foi vítima de manipulações sorrateiras que servidores do Palácio do Planalto promoveram para distorcer sua biografia profissional na enciclopédia aberta Wikipedia. Citou também William Bonner, apresentador e editor-chefe do Jornal Nacional. Textualmente, pediu Lula à plateia presente ao comício: "Daqui para a frente é a Miriam Leitão falando mal da Dilma na televisão, e a gente falando bem dela [Dilma] na periferia. É o [William] Bonner falando mal dela no Jornal Nacional, e a gente falando bem dela em casa. Agora somos nós contra eles".

O ex-presidente desceu ao nível do inimaginável para alguém que já ocupou, por dois mandatos, o cargo de líder supremo da nação. Reduziu-se a um animador de palanque, não dispensando ataques também ao adversário "deles", o senador tucano Aécio Neves: "Esse rapaz não teve educação de berço para respeitar as mulheres. E, sobretudo, uma presidente, mãe e avó. Esse cidadão agrediu, com seu cinismo, tentando deixar Dilma temerosa", referindo-se à postura mais ofensiva de Aécio no debate da última quinta-feira.

Lula se esqueceu de que mãe e avó é também a jornalista Miriam Leitão, igualmente vítima das mesmas masmorras da ditadura em que penou a presidente Dilma. Quando da falsificação da biografia da profissional feita nas antessalas do Palácio do Planalto, não se ouviu de Lula qualquer defesa do respeito que se deve às mulheres. O mesmo ocorreu quando a máquina de marketing petista empregou todo tipo de terrorismo eleitoral contra outra mulher, Marina Silva. "Elas", assim como "eles", quando criticam ou discordam, passam a não fazer parte da classe do "nós".

É lastimável que o futuro do país seja discutido neste nível.

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