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Dilma Rousseff durante seu julgamento no Senado, em agosto de 2016.
A então presidente Dilma Rousseff durante seu julgamento no Senado, em agosto de 2016.| Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Nesses primeiros dois meses do terceiro governo Lula, já ficaram evidentes as prioridades do presidente e, para surpresa de ninguém, elas estão longe de qualquer intenção de governar para todos os brasileiros, ou mesmo para os representantes não petistas da tal “frente ampla” de inocentes úteis arregimentados para apoiar a volta de Lula ao poder. Trata-se apenas de desfazer praticamente tudo que seu antecessor fez – especialmente o que fez de bom, como no caso da postura brasileira em relação ao aborto –, declarar guerra ao Banco Central e à atual meta de inflação, e reescrever a história recente do Brasil, com destaque para o impeachment de Dilma Rousseff.

A reabilitação do “poste” que Lula escolheu a dedo para sucedê-lo em 2010 fez dele um dos maiores propagadores de fake news das últimas semanas, sem inquéritos no Supremo nem agências de checagem para chamá-lo à responsabilidade. É assim que Lula pode desmoralizar as instituições brasileiras ao repetir no exterior, em mais de uma ocasião, que Dilma fora vítima de um “golpe de Estado”, como fez na Argentina e no Uruguai. O site institucional da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) também passou a se referir ao impeachment da ex-presidente como “golpe”. O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, se juntou ao coro em entrevista recente à TV Brasil.

Colocar Dilma no “banco dos Brics” é conveniente para Lula, pois transmite prestígio à sua antecessora – mais pelo nome da instituição que por sua relevância, já que ela ainda está longe de ser uma força econômica – sem trazê-la para o núcleo do governo

O impeachment de 2016, temos de reafirmar, nada teve de golpe. Os truques orçamentários usados por Dilma para maquiar a contabilidade nacional estavam fartamente documentados, e ocorreram tanto no primeiro quanto no segundo mandato; o Tribunal de Contas da União chegou a recomendar ao Congresso a rejeição das contas de Dilma em 2014. As operações de crédito irregulares podem não ser tão escandalosas quanto o mensalão ou o petrolão, mas são uma demonstração cabal de desprezo pela transparência na gestão do dinheiro público, grave o suficiente para também ser punida com a cassação. Mas Lula quer reduzir tudo a uma conspiração motivada pela incapacidade política de Dilma, ao dizer que “Dilma tecnicamente é uma pessoa inatacável, tem uma competência extraordinária. Onde ela erra, na minha opinião, é na política. Ela não tem a paciência que a política exige que a gente tenha para conversar”.

Nunca será demais recordar também que, ainda que não tivesse cometido nenhuma das irregularidades que a levaram a cassação, Dilma está muito longe de ser “tecnicamente inatacável” e de ter “competência extraordinária”. Foi ela, auxiliada pelo ministro Guido Mantega, quem levou a pleno funcionamento a Nova Matriz Econômica petista, que já se desenhava ao fim do segundo mandato Lula. A gastança desenfreada, como todo brasileiro com alguma memória haverá de recordar, levou o Brasil à pior recessão de sua história, algo que não foi igualado nem pelo desastre da pandemia de Covid-19, o que explica a insistência do petismo em fingir que o período 2015-16 jamais existiu.

Essa reabilitação, por fim, passa também pelo esforço de Lula para colocar Dilma na presidência do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), o “banco dos Brics”. Para isso, o governo tem de convencer outro brasileiro, Marcos Troyjo, a abrir mão do cargo a que tem direito até 2025. Fontes petistas acreditam que a nomeação poderia impulsionar a liberação de recursos para o Brasil e melhorar as relações brasileiras com a ditadura de Xi Jinping, até porque a sede do NBD fica em Xangai, para onde a ex-presidente teria de se mudar caso assumisse o banco. Lula tem viagem marcada para a China, com a vista programada para março.

Colocar Dilma no “banco dos Brics” é conveniente para Lula, pois transmite prestígio à sua antecessora – mais pelo nome da instituição que por sua relevância, já que o NBD ainda está longe de ser uma força econômica – sem trazê-la para o núcleo do governo, demonstrando que, de certa forma, Dilma ainda é um peso que poderia espantar os novos aliados. Independentemente de a nomeação, se concretizada, configurar isolamento ou reconhecimento, o que mais importa é evitar que o petismo seja bem-sucedido em sua tentativa de fazer prevalecer a narrativa do “golpe”, quando na verdade o impeachment de Dilma foi apenas a aplicação da Constituição a uma governante cujas irregularidades foram suficientemente comprovadas.

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