O ex-presidente Lula já está em campanha para voltar ao Planalto em 2018. Só não está pedindo às pessoas que votem no 13, e por isso escapa das punições da legislação eleitoral, mas todos os atos da caravana pelo Nordeste têm gosto de campanha eleitoral, cheiro de campanha eleitoral e cara de campanha eleitoral, não há como negar. Às vezes Lula até desconversa, como em Salvador, quando disse que “ainda falta muito tempo” para 2018 e “não existe candidato”, mas o conjunto da obra mostra quais são as reais intenções de Lula e seu séquito.
Trata-se de uma viagem marcada pela hipocrisia. Não apenas por ser campanha eleitoral sem o declarar abertamente, mas por tudo o que Lula vem dizendo e fazendo. Como o encontro com o senador alagoano Renan Calheiros (PMDB), às margens do Rio São Francisco. Calheiros é réu no Supremo Tribunal Federal e tem quase 20 investigações contra si; é a perfeita “raposa”, para evocar um discurso de Lula feito dias antes, em Feira de Santana (BA). Mas ganhou elogios do ex-presidente no Twitter. Houve mal-estar até mesmo dentro do PT; afinal, Calheiros pode até ter costurado o absurdo fatiamento do julgamento no Senado que cassou Dilma Rousseff preservando-lhe os direitos políticos, mas o alagoano votou pelo impeachment, o que faz dele um “golpista”, na novilíngua petista. Mas parece haver golpistas e golpistas, a julgar pelas palavras da presidente do PT, a senadora paranaense Gleisi Hoffmann, à Folha de S.Paulo: “Não podemos levar essas coisas tão a ferro e fogo”.
Retórica vazia não livra ninguém de, mais cedo ou mais tarde, prestar contas de seus atos
Condenado a nove anos e seis meses de prisão pelo juiz Sergio Moro no caso do tríplex do Guarujá, Lula tem poupado o magistrado em seus discursos – uma mudança de estratégia às vésperas do novo depoimento do ex-presidente (agora no caso do sítio de Atibaia), já que as críticas abertas feitas por Lula a Moro antes do depoimento de maio não o ajudaram em nada. Mas a força-tarefa da Lava Jato, segundo o petista, é responsável até pela morte da ex-primeira dama Marisa Letícia. “Esses meninos da Operação Lava Jato têm responsabilidade com a morte dela”, chegou a afirmar o petista – o mesmo Lula que não teve a menor vergonha de jogar nas costas da esposa falecida toda a responsabilidade pelas decisões envolvendo o apartamento no litoral paulista.
Hipocrisia é Lula se apresentar como a solução para a crise criada não pela Operação Lava Jato – como chegaram a afirmar líderes sindicais, repetindo a lorota segundo a qual o combate à corrupção prejudica a economia –, mas pelas próprias políticas petistas. Lula, é preciso lembrar, recebeu um país estabilizado pelo Plano Real e, enquanto ele se manteve fiel ao tripé macroeconômico e às políticas de seu antecessor, o país cresceu, ajudado pela forte demanda por commodities. Mas a implantação da “nova matriz econômica”, nos anos finais do governo Lula e em todo o governo Dilma, colocou o país na rota da gastança irresponsável e das fraudes fiscais que culminaram na maior recessão da história do país e nos quase 14 milhões de desempregados. Lula é a última – ou talvez a penúltima, se considerarmos Dilma Rousseff – figura a quem uma pessoa responsável confiaria a tarefa de retirar o país do buraco em que ele mesmo o colocou, com a ajuda de seu “poste”.
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Também não tem faltado na caravana a repetição do surradíssimo discurso de ataque à imprensa livre – “Se por acaso um dia eu voltar a ser presidente da República, certamente algumas coisas precisam acontecer”, disse, em referência a “jornalistas desonestos” – e do igualmente surrado “nós contra eles”, em que “a elite” (ou seja, qualquer um que ganhe um pouco mais de um salário mínimo) não suporta Lula “porque o pobre passou a ocupar aeroporto, frequentar shopping. Ele deixou de comer acém para comer filé, contrafilé; porque deixou de comer pescoço e pé para comer coxa, sobrecoxa e peito de frango. Os pobres começaram a comprar computador, laptop” – como se algum empresário de qualquer dos ramos citados estivesse espumando de raiva por ter mais pessoas comprando seus produtos.
Mas, assim como o desempenho nas urnas não absolve ninguém dos crimes cometidos, retórica vazia não livra ninguém de, mais cedo ou mais tarde, prestar contas de seus atos. Lula roda o Nordeste como a “alma mais honesta do país”, mas já tem uma condenação judicial em primeira instância e acumula outras cinco ações penais contra si. E nesse campo o embate se dá apenas em torno das provas; ainda pode haver incautos cativados por seu discurso, mas ele não o ajudará em nada diante da Justiça.
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